Rafaela José Borges, 22 anos, estudante de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enxerga a desesperança política em parte da sua geração. Defensora ferrenha de melhorias no ensino público e crítica das atuais políticas públicas para o setor, Rafaela diz que os jovens precisam se sentir representados em discussões que impactam suas vidas.
— O fato de muitos jovens terem abandonado a política vem de uma herança que a gente ouve de que, embora a gente participe, não vai mudar nada, porque todos os candidatos são iguais. É muito importante votar. É uma escolha que a gente vai fazer para o nosso futuro — defende Rafaela.
— Uma coisa que está clara é que os jovens deixam a política de lado para tentar não se incomodar ou porque acham que é um assunto muito complexo. E por achar que não adianta participar porque as coisas não mudam — avalia a cientista política Ana Julia Bernardi.
Em sua investigação de doutorado, ela analisou as diferenças de respostas dos jovens de escolas públicas e privadas, centrais e de periferia, no questionário do Nupesal/UFRGS. Entre as conclusões, está o fato de que, quanto maior a qualidade da educação oferecida aos alunos, maiores também as chances de interesse em política.
— Sempre falo das juventudes, no plural. Existe essa juventude mais politizada, e isso está relacionado a níveis mais críticos de educação, a currículos mais críticos. Esses jovens têm maior tendência à politização — resume ela.
Em outras palavras, uma sociedade que efetivamente valorize a democracia e as novas gerações deve garantir um ensino de qualidade e crítico, permitindo que os jovens ultrapassem as limitações de seus círculos familiares e sociais.
— A escola tem um papel muito importante. O mais importante é investir em educação pública de qualidade. Promover o pensamento crítico — acrescenta Ana Julia.
O que os estudiosos explicam é que o valor da democracia, o funcionamento da política e as expressões da cidadania não são conhecimentos naturalmente adquiridos. Esses saberes dependem de investimento permanente da sociedade na formação dos jovens.
— As crianças não são criadas em um ambiente politizado, e se espera que aos 16 anos tirem o título de eleitor e votem. A escola tem um papel crucial nesse processo. Os professores precisam se empoderar. A escola precisa funcionar como um espaço de liberdade controlada onde as coisas possam ser discutidas — diz a psicanalista Aline Santos e Silva.
Aumentar a capacidade crítica dos alunos depende de uma educação menos conteudista e mais preocupada em formar cidadãos.
A afirmação é da diretora do Centro em Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Costin, que defende salas de aula com professores abertos às diferentes ideias dos alunos e sem margem para a censura reivindicada hoje por alguns grupos políticos.
— Sem dúvida há grupos atuando para evitar o debate em sala de aula. É importante pensar que, se por um lado, o professor apresentar uma verdade como única é errado, também é errado não discutir os temas. As direções de escolas devem evitar censurar professores — afirma Claudia, que também é professora visitante em Harvard (EUA).
Gabriel Michelin Lund, 17 anos, critica a falta de espaços de reflexão política em sala de aula. Ele faz parte do grupo que já tirou o título de eleitor e alerta que o país está em um “momento decisivo”.
— A discussão política sempre esteve bem presente na minha vida. A escola é um espaço oportuno para esse tipo de discussão. Porém, muitas vezes o colégio não oportuniza isso. Eu venho de Viamão, me mudei agora para Porto Alegre, e percebi que os interesses políticos variam muito — diz Lund.
Estudante de Medicina da Universidade Federal das Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Gabriel Neto Ferreira, 19, reivindica que as faculdades ajudem a compreender os problemas sociais. Ferreira lembra que o sentimento de mudança é comum à juventude, mas pondera que o movimento estudantil perdeu força, deixando os jovens desorganizados.
— O debate na internet é complicado. Escola e faculdade são ambientes importantes de discussão política, pois são locais de formação. Não só a política de candidatos, mas de projetos, debater os problemas sociais que afetam o país — avalia o universitário.
O que eles querem discutir
O voto facultativo dos jovens de 16 e 17 anos foi uma novidade estabelecida pela Constituição de 1988. O direito desse grupo ao voto passou por uma grande mobilização nacional, que envolveu movimentos estudantis e a insistência de um gaúcho: Hermes Zaneti, do MDB. O então deputado constituinte foi o autor da proposta que rendeu debates acalorados com opositores. Eles o acusavam de estar dando direitos políticos a “irresponsáveis”, “imaturos” e jovens que promoveriam a “revolução cultural”.
— Havia medo da juventude. Com certeza, essa é a palavra certa: medo da juventude — relembra Zaneti.
A proposta foi aprovada pelos constituintes com 355 votos a favor, 98 contra e 38 abstenções, para a felicidade dos cerca de 600 jovens que, das galerias, acompanhavam a sessão. Aquela aprovação contou com o apoio crucial do mais idoso dos constituintes, o senador Affonso Arinos (PFL-RJ), que tinha 83 anos.
Passadas mais de três décadas, Zaneti segue um entusiasta da juventude e defensor de que as escolas assumam o seu papel político. É preciso que os professores façam os alunos perceberem que suas vidas estão entrelaçadas com as opções políticas: o preço do ônibus, o salário do professor, a construção de escolas, o salário mínimo, elenca Zaneti.
— A política deve ser tema de aula — resume.
A valorização da democracia e da opinião do outro é um processo que deve começar ainda na infância, diz a psicanalista Aline Santos e Silva. Estratégias simples como votar o que a família vai jantar ajudam a formar cidadãos autônomos que se sentirão motivados a participar das decisões coletivas e respeitar os argumentos alheios, ela exemplifica.
Aos adultos, é preciso manter uma postura permanente de abertura à contestação das novas gerações, defende Zaneti.
— O pai, a mãe, o avô, a avó, o irmão mais velho que estiver diante de uma contestação de um filho, de um neto, de um irmão mais novo, abra espaço, dê lugar, ouça, independente do que pensemos. Por que ter medo dos jovens? — questiona o ex-deputado.
Em 2 de outubro, Malena Irala Caminha terá motivos para comemorar em dobro. Ela vai atingir a idade mínima para votar no dia das eleições e, por isso, pôde tirar o título de eleitor.
— Essa será uma das eleições mais importantes que vamos ter e eu queria muito tirar o título. Foi muito simples, eu fiz online — conta Malena, que é defensora de pautas sociais e dos direitos LGBT+.
Faixa etária e geração não são a mesma coisa. A primeira está ligada apenas à idade. A segunda diz respeito à experiência de viver em um momento da história, com suas questões específicas. O combate ao racismo, ao machismo, à homofobia e a outras formas de preconceito dão o tom do novo tempo. Essas pautas aparecem quando os jovens são perguntados sobre o que a sua geração tem de distinto, na comparação com as anteriores.
— Uma diferença bem marcante é que a gente tem uma liberdade de expressão maior. E a questão de aceitar os tipos diferentes de gênero e sexualidade: as pessoas estão aceitando cada vez mais — explica o estudante João Pedro Ulguin Pires.
A estudante Rafaela Borges diz que essas pautas têm a meta de deixar a sociedade mais confortável para todos os grupos, e não só para alguns:
— Debates importantes estão surgindo, sobre machismo, direito da mulher, racismo, questões sexuais e dos LGBTs. Esta geração vem para deixar uma sociedade mais confortável para todos.
Os jovens também percebem que o mundo político não espelha a diversidade das ruas e demandam aumento de representatividade nos espaços de poder.
— Representatividade é importante em todos os âmbitos. Tirando isso, escuto bastante gente da minha idade falar de estudo e oportunidades de trabalho — aponta o estudante Kauã Guedes Guerreiro.
Antigas demandas dos brasileiros, o combate à fome, a geração de empregos e a preservação do meio ambiente são os valores sociais que aparecem em primeiro lugar entre jovens. Foi o que indicou a já citada pesquisa do Ipec divulgada em setembro de 2021.