Interesses pessoais e regionais de caciques partidários, disputas internas e a pressão do Palácio do Planalto minam a possibilidade de uma candidatura unificada no centro político. Prevista para ser anunciada em breve na chamada terceira via, a opção à polarização Lula-Bolsonaro é menos provável hoje do que há cerca de 20 dias — quando União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania anunciaram acordo para lançar um candidato único à Presidência.
A indefinição mantém em aberto a expectativa de parte do eleitorado que busca uma alternativa ao petismo e ao bolsonarismo. De acordo com as mais recentes pesquisas eleitorais, acima de 30% dos eleitores ainda não têm o voto consolidado — ou seja, podem migrar de nome até a eleição.
Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) amargam altos índices de rejeição. Mais da metade dos eleitores diz não votar de jeito nenhum em Bolsonaro, enquanto cerca de 40% descartam o petista.
O impasse no grupo alternativo se dá pouco mais de um ano depois do lançamento de um manifesto assinado por seis pré-candidatos, em 31 de março de 2021. A ideia de formar um palanque único foi reduzida agora a um possível acordo, ainda remoto, entre duas legendas — MDB e PSDB.
Na ocasião, assinaram o "Manifesto pela Consciência Democrática" Ciro Gomes (PDT), Eduardo Leite (PSDB), João Amoedo (Novo), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), e Luciano Huck (sem partido). A coalizão era vista como embrião de uma possível aliança ampla, que minguou.
Contestações no União Brasil
Hoje dono do maior quinhão de recursos públicos do fundo eleitoral — cerca de R$ 1 bilhão —, o União Brasil estaria sob ameaça de perder cargos no governo federal e recuou do projeto de parceria com as outras legendas. Além disso, o partido nascido da fusão de DEM e PSL vê pelo país contestações à terceira via: no Rio, por exemplo, a sigla caminha para aderir a Bolsonaro já no primeiro turno.
Ganha força nesses choques de reivindicações pessoais e regionais a manutenção da candidatura do presidente da legenda, Luciano Bivar. Lideranças partidárias afirmaram à reportagem que o lançamento do mandachuva serve como um escudo. Protegidos pela justificativa de que têm candidato próprio, caciques estaduais não precisam arcar com o custo político de se indispor com o eleitorado de Lula ou de Bolsonaro. Bivar é incapaz de gerar incômodos justamente porque não vai emplacar, dizem figurões da legenda.
Crise interna no PSDB
A desarticulação inclui também a crise interna do PSDB, agravada pela falta de harmonia entre o pré-candidato, João Doria — ex-governador de São Paulo —, e a cúpula do partido. O tucano se esforça para manter vivo um projeto eleitoral cada vez mais isolado.
Evento dos grupos Derrubando Muros e Roda Democrática, em São Paulo, que reuniu na quinta-feira (28) líderes de MDB, PSDB e Cidadania, mostrou essa rejeição e os descompassos internos. A pré-candidata à Presidência pelo MDB, a senadora Simone Tebet (MS), foi exaltada no encontro como alternativa à polarização, enquanto Doria foi criticado.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, que está em viagem no Exterior, foi representado pelo ex-ministro Pimenta da Veiga, desafeto do ex-governador paulista. Convidado, Bivar faltou.
Veiga disse que, pessoalmente, não acredita que Doria seja o nome mais forte para disputar a Presidência.
— Essa eleição está acima de aspirações pessoais e de interesses partidários. Todos os candidatos devem avaliar suas potencialidades — disse. — É hora de desprendimento.
O senador Tasso Jereissati (CE), que é contra a candidatura do governador paulista, se reuniu com a bancada tucana recentemente. No encontro, surgiu a ideia de ele assumir a vice em uma eventual chapa com Tebet.
Tasso já foi entusiasta do ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite. Derrotado nas prévias do ano passado e sem avanço em articulações recentes, Leite agora se volta ao Sul: já circulam informações de que poderia disputar novamente o Palácio Piratini.
— Especulação. O que, de fato, farei é me dedicar mais ao tema da sucessão no Rio Grande do Sul para garantir que não haja retrocesso no Estado — disse.
Apesar do entusiasmo com Tebet, nem o MDB se entende. Caciques do Nordeste preferem Lula, o que gera crítica na terceira via.
— Nós estamos enfrentando articulações políticas de ambos os lados, de tentar impedir a nossa unidade — disse Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante o evento em São Paulo, sobre investidas de Bolsonaro e Lula.
A candidatura de Ciro também tenta atrair partidos que até agora compunham o chamado centro democrático. Fora Bolsonaro e Lula, o pedetista é o que desponta como o mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto. Ele ocupa a centro-esquerda e não se propõe a personificar a ideia de uma chapa única que satisfaça o eleitorado de centro-direita. Ciro tenta atrair o PSD, de Gilberto Kassab, e o União Brasil em torno de seu nome.
Desorganização dá espaço à polarização
Essa ausência de um nome agregador na terceira via empurra o eleitor para a polarização.
— Ele é atraído para os blocos que conseguem se organizar. O eleitor escolhe uma das opções ou se ausenta, mas não é o eleitor que define se um partido consegue ou não se organizar para lançar candidatos — disse Vitor Marchetti, cientista político e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC.
Para o especialista, os partidos da terceira via não têm tradição de lançar candidatura própria, o que reforça o peso dos interesses regionais de caciques partidários.
— O PSDB era o partido que coordenava esse campo de lançamento de candidaturas à direita e, por diferentes razões, perdeu a capacidade de ocupar esse lugar em 2018 — afirmou.
A definição da chapa estava prevista para 18 de maio, mas nem a data é certa.