A interceptação telefônica do escritório de advocacia que defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a divulgação de grampos da Lava-Jato e o impedimento do petista à disputa da Presidência em 2018 motivaram o Comitê de Direitos Humanos (CDH) da ONU a concluir que a força-tarefa da Operação Lava-Jato e o ex-juiz Sergio Moro foram parciais na condução das investigações e dos processos.
O colegiado da ONU, que divulga a íntegra da decisão nesta quinta-feira (28), determinou que o governo brasileiro dê ampla publicidade às conclusões e promova a reparação de danos causados pela Lava-Jato a Lula. Na prática, entretanto, a decisão da ONU não deve trazer sanções ao país ou aos integrantes da Lava-Jato, mas será usada por Lula e seus aliados para cobrar indenizações na Justiça — uma nova ação popular já foi protocolada nesta quarta-feira (27) por parlamentares petistas.
"Embora os Estados tenham o dever de investigar e processar os atos de corrupção e manter a população informada, especialmente em relação a um ex-chefe de Estado, tais ações devem ser conduzidas de forma justa e respeitar as garantias do devido processo legal", disse o membro do Comitê Arif Bulkan, segundo nota divulgada pela ONU.
A decisão levou em consideração a autorização da interceptação telefônica do escritório de advocacia da defesa do ex-presidente Lula, no âmbito da Operação Alethea, fase da Lava-Jato que conduziu coercitivamente o petista para depoimento e cumpriu buscas e apreensões em sua residência.
A argumentação de Moro, à época, era de que as escutas sobre o escritório foram autorizadas porque o número da banca de advocacia estava registrado como referência da empresa de palestras de Lula. A defesa do petista moveu diversos recursos ao longo dos anos em que pedia pela destruição dos áudios. Foram 14 horas de ligações.
A retirada de sigilo de chamadas telefônicas interceptadas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, em 2016, também foi mencionada pela ONU. Os diálogos foram captados em um período que excedia o autorizado pela decisão que autorizou a quebra.
As conversas foram tornadas públicas pelo ex-juiz. Os grampos mostraram o famoso diálogo em que Dilma sugeria a Lula que enviaria um termo de posse para que ele usasse "em caso de necessidade". À época, Lula estava sob investigação da Lava-Jato.
O comitê também afirma que as "violações processuais tornaram arbitrária a proibição a Lula de concorrer à Presidência e, portanto, em violação de seus direitos políticos, incluindo seu direito de apresentar candidatura a eleições para cargos públicos".
Avaliação da defesa
— É uma decisão histórica e é uma vitória não só do ex-presidente Lula, mas também para aqueles que defendem a democracia e o Estado de Direito — afirmou o advogado Cristiano Zanin, nesta quinta-feira, durante uma entrevista coletiva concedida à imprensa em um hotel em São Paulo.
Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as condenações do ex-presidente Lula nos casos que envolveram o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia — imóveis que receberam reformas da Odebrecht e da OAS. A Corte considerou que a Justiça Federal do Paraná não era competente para julgar os processos. Também declarou a suspeição de Moro.
Lula e seus aliados também têm obtido indenizações na Justiça em razão da condução da Operação Lava-Jato. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou o ex-procurador Deltan Dallagnol a indenizar Lula em R$ 75 mil a título de danos morais em razão da entrevista coletiva em que anunciou a denúncia oferecida contra o petista no caso triplex, com o uso de uma apresentação em Power Point que apontava Lula como chefe de uma organização criminosa.
Neste mês, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) determinou que a União indenizasse o advogado Roberto Teixeira, que defende Lula, em R$ 50 mil por considerar ilegais os grampos no escritório de advocacia.
Pedido de indenização
Parlamentares petistas e advogados alinhados à pré-candidatura de Lula à Presidência pretendem usar a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU para reforçar o pedido de indenização apresentado à Justiça Federal. Movida pelo Grupo Prerrogativas, a ação popular foi protocolada pelos deputados Rui Falcão, José Guimarães, Natália Bonavides e Paulo Pimenta e pede que Moro seja condenado a ressarcir o Estado por supostos prejuízos econômicos causados pela força-tarefa.
— Pretendemos, após ter conhecimento da íntegra da decisão (da ONU), estudar a melhor forma de utilizá-la na ação popular para confirmar a nossa tese — afirmou Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo.
Carvalho argumentou que a decisão do órgão internacional é um "carimbo de validação" à tese defendida pela defesa de Lula.
— Reforça toda a narrativa que a advocacia progressista tem adotado para falar do tema, de que Moro instrumentalizou nosso sistema de Justiça e agiu de forma parcial para atingir um determinado resultado, que era tirar Lula da eleição — afirmou.
A ação popular aponta o ex-juiz como responsável pelo aumento do desemprego no país. Um trecho do documento diz que as condenações expedidas por Moro acabaram por causar "severos prejuízos ao interesse público e ao erário público", incluindo danos econômicos, e que "os efeitos nocivos provocados por esses atos supostamente judicantes são incalculáveis e atingiram toda a população brasileira".
Carvalho também considera que o comitê dá legitimidade à ação do STF, que anulou as condenações contra o petista. Segundo o entendimento do Prerrogativas, houve uma espécie de acreditação internacional à determinação da Corte brasileira. A avaliação é compartilhada pela ex-juíza do TRF-3 Cecília Mello. Para ela, a decisão da ONU "confere ao nosso Poder Judiciário um atributo de legalidade, de adequação e de integridade".
Moro afirmou, em nota na terça-feira (27) sobre a ação popular, que a corrupção causou desemprego ao país, não o combate a ela. "Líderes do PT demonstram que não aprenderam nada, que estão dispostos a inverter os valores da sociedade e que querem perseguir quem combateu a corrupção em seu governo", afirmou.
Comitê
Na definição do Centro de Informações das Nações Unidas no Brasil, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é "um órgão formado por especialistas independentes que fiscaliza o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seus protocolos", do qual o Brasil é signatário. O colegiado é composto por 18 especialistas, que se reúnem três vezes por ano, em Genebra (Suíça).