Por 10 votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) por crimes contra a segurança nacional, a honra do Poder Judiciário e a ordem política e social do país, após incitar agressões aos ministros da Corte em um vídeo divulgado nas redes sociais em fevereiro do ano passado. Condenado a oito anos e nove meses de prisão e a pagar uma multa no valor de R$ 192,5 mil, a decisão tira o parlamentar da disputa eleitoral deste ano, inviabilizando seu plano de candidatura a senador pelo Estado do Rio de Janeiro.
No vídeo que motivou a ação penal, Silveira disse que se imaginava agredindo fisicamente os ministros e os desafiou a prender o general de Exército Eduardo Villas Boas por declarações críticas ao julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo tribunal. O deputado ainda fez referência à cassação de juízes do Supremo pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5) durante a ditadura militar.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) considerou que as falas do deputado estimulavam "a animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo". Segundo a PGR, ele tinha como objetivo "impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício do Poder Judiciário". A instituição ainda argumentou que a imunidade parlamentar de Silveira não garante o direito de cometer infrações penais.
O julgamento foi marcado por recados contundentes a Silveira e aos demais parlamentares que integram a tropa de choque do governo de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso. Um dos alvos preferenciais da militância bolsonarista no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes apresentou um duro voto pela condenação do deputado a 8 anos e 9 meses de prisão, além de multa no valor de R$ 192,5 mil.
Responsável por colocar o parlamentar na prisão por nove meses no ano passado, Moraes também pediu que o STF determine a perda de mandato do deputado e a suspensão de seus direitos políticos, ficando impedido de disputar nova eleição. Segundo o ministro, Silveira não pode usar a imunidade parlamentar como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas. Ele foi seguido integralmente por Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli.
— A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o estado de direito e a democracia —, defendeu o ministro. — Não há dúvidas de que o réu agiu com dolo, em plena consciência de suas ações — disse Moraes ao citar que Silveira confirmou as declarações em depoimento à Polícia Federal (PF).
Na contramão dos demais colegas de Supremo, os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça decidiram não suspender o julgamento da ação penal contra o deputado. Os dois foram indicados à Corte pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e já haviam votado contra a obrigatoriedade de Silveira usar tornozeleira eletrônica. Ao votar, Nunes Marques chegou a condenar as declarações do parlamentar, mas as reduziu a bravatas e transferiu à Câmara a responsabilidade por punir os ataques ao livre exercício dos Poderes.
— Em que pese a gravidade e a repugnância das falas do acusado, não vislumbro cometimento de crime — disse.
Já André Mendonça, votou pela condenação de Silveira quanto ao crime de proferir ameaças aos ministros. O ministro, porém, divergiu de Moraes ao absolver o deputado das acusações de incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o STF e de usar de violência ou grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes.
Imunidade parlamentar
Ao apresentar o parecer do Ministério Público Federal (MPF), a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, frisou que imunidade parlamentar não consiste em um "privilégio pessoal". Braço direito do procurador-geral Augusto Aras, a número dois da PGR foi firme ao sustentar que as declarações de Daniel Silveira "atingiram a Justiça como instituição" e tentaram "intimidar e constranger os ministros" do Supremo.
— O que busca o Ministério Público, no exercício de sua atribuição constitucional de defender a ordem jurídica e o regime democrático, é que este Tribunal Supremo se valha dos instrumentos democraticamente estabelecidos para reprovar os crimes efetivamente praticados pelo acusado — afirmou.
Na noite de terça-feira, Moraes negou seis recursos da defesa de Silveira contra diversas medidas cautelares acumuladas pelo parlamentar e determinou cinco multas de R$ 2 mil ao advogado do parlamentar, Paulo César Rodrigues de Faria, pela apresentação de pedidos judiciais "manifestamente inadmissíveis, improcedentes, ou meramente protelatórios". Segundo o relator, as demandas tinham o objetivo de postergar o julgamento da ação penal.
Ao apresentar as alegações finais no caso, a defesa de Silveira alegou nulidades processuais, ou seja, erros procedimentais que esvaziaram a ação. O advogado do parlamentar citou o fato de não ter sido oferecido acordo de não persecução penal pelos crimes de incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e contra a integridade nacional, uma vez que a Lei de Segurança Nacional foi extinta.
Já durante o julgamento, o advogado disse que o deputado é alvo de um sistema inquisitório. "Querem condenar a todo custo um inocente", disparou. A defesa ainda criticou o fato de os ministros do Supremo, vítimas dos ataques do parlamentar, serem também os responsáveis por julgá-lo.
— É preciso ficar muito claro que para uma pessoa ser condenada não pode ter subjetividade, porque a subjetividade incorre na suspeição, na imparcialidade — afirmou.
Temperatura alta
Antes do início da votação, o réu e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foram impedidos de acessar o plenário do Supremo. Eles foram barrados por uma resolução assinada em fevereiro pelo ministro-presidente, Luiz Fux, que proibiu a presença de qualquer pessoa que não seja membro do colegiado, representante das partes no processo ou integrante do MP. O ato normativo da presidência foi editado em resposta ao aumento dos casos de covid-19 no Distrito Federal.
"Se puder levar minha reclamação lá dentro", disse Eduardo Bolsonaro ao servidor do STF que explicou os motivos de não poderem entrar. Silveira, que estava ao lado, repetiu a mesma frase. O Supremo chegou a oferecer aos deputados a possibilidade de acompanharem o julgamento de uma televisão no Salão Branco da Corte, a antessala do plenário, mas ambos se recusaram. Os parlamentares decidiram voltar à Câmara.
Mais cedo, Silveira fez novos ataques ao ministro Alexandre de Moraes. Na Câmara, o deputado chamou o relator da ação penal de "reizinho do Brasil" e "menininho frustrado" que age fora da Constituição. As críticas também foram destinadas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por, segundo ele, ter cometido um "equívoco grave" ao deixar de pautar para votação no plenário da Casa a sustação da ação penal contra ele.
Dentro do Supremo, o advogado de Daniel Silveira atrasou em uma hora o início do julgamento por ter se recusado a apresentar teste negativo para covid-19. Fux ofereceu a possibilidade de a defesa realizar a sustentação oral por videoconferência, o que também foi descartado. Para dar início à votação foi necessário que o advogado realizasse um teste rápido. O presidente do Supremo chamou a postura dos defensores de "recalcitrância indevida".
Histórico de violações
Silveira chegou a ser preso no ano passado, logo após divulgar o vídeo com as ofensas aos ministros do Supremo. A detenção no Batalhão Especial Prisional (BEP) do Rio, a mando de Alexandre de Moraes, com base em pedido da PGR, durou quase nove meses. O relator do caso determinou a soltura com a condição de que o parlamentar cumprisse medidas cautelares.
No início desse ano, a PGR voltou a cobrar medidas mais duras contra o deputado, que teria descumprido diversas determinações da Justiça. A cúpula do Ministério Público pediu ao Supremo no mês passado a colocação de tornozeleira eletrônica em Silveira e cobrou que ele fosse impedido de frequentar eventos públicos. As solicitações foram atendidas por Moraes, gerando um impasse entre o ministro e o parlamentar.
Silveira se recusou a colocar a tornozeleira eletrônica e chegou a dormir em seu gabinete na Câmara em uma estratégia fracassada para evitar que os agentes da Polícia Federal (PF) fizessem a instalação. O parlamentar bolsonarista se queixou da decisão de Moraes, a quem chamou de petulante, e cobrou que a ordem fosse revista pelos demais ministros do Supremo.
O movimento do deputado chegou a envolver o presidente da Câmara, que emitiu uma nota com recados ao Supremo, na qual dizia que o plenário do Parlamento é inviolável. Apesar de ter causado ruídos entre os Poderes e piorado a sua situação, o bolsonarista acabou cedendo ao colocar o dispositivo. Moraes disse que a jogada de Silveira demonstrou sua "duvidosa inteligência". A decisão para que o parlamentar colocasse a tornozeleira acabou referendada por 9 votos a 2 no plenário.