O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, virou alvo de pedido judicial para que deixe o cargo. Após o titular publicar declarações em que classifica o refugiado congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte no Rio de Janeiro, de "vagabundo morto por vagabundos mais fortes", o advogado Ronan Wielewski Botelho pediu à Justiça Federal no Distrito Federal que suspenda a nomeação de Camargo, por meio de uma ação popular.
"O objetivo da liminar é para que o réu seja afastado liminarmente do cargo que ocupa", escreveu Botelho, acrescentando que um de seus objetivos é o de "evitar novos ataques pessoais e de ódio do réu para qualquer cidadão brasileiro".
O pedido liminar foi feito nesta sexta-feira (11) à 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Neste sábado (12), a juíza Luciana Raquel Tolentino de Moura negou a petição no regime de plantão, quando são apreciados os casos considerados como urgentes. Para ela, a ação deve ser analisada durante o expediente regular do Judiciário.
"Não há descrição ou prova na inicial de fato ou data que leve à conclusão de que decorreria perecimento de direito até a abertura do expediente de segunda-feira (14/02/2022)", decidiu a magistrada.
Em memorando, o advogado pediu nova análise do pedido de liminar e anexou uma declaração do advogado da família de Moïse, Rodrigo Mondego. Nela, Mondego afirma que, após as declarações de Camargo, os parentes da vítima começaram a receber ameaças e xingamentos e que, por isso, há a necessidade de urgência no caso.
"A família do Moïse está estarrecida com essa fala criminosa desse sujeito. Já estamos estudando as medidas cabíveis", escreveu Mondego no Twitter.
Além disso, a bancada do PSOL na Câmara dos Deputados e o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) acionaram o Ministério Público Federal sobre caso, pedindo que Camargo seja investigado e afastado. Em documento enviado ao MPF, Freixo afirmou que Moïse "não era vagabundo, indigno ou selvagem, muito menos andava ou negociava com pessoas que não prestam".
"Sérgio Camargo praticou uma verdadeira imputação de fatos desonrosos, além de aviltar a dignidade da pessoa morta", sustentou o deputado.
A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) disse que não se pode permitir que Camargo "destile seu ódio contra a memória de um jovem brutalmente assassinado".
"Nossa bancada acionou o Ministério Público para que ele seja investigado e afastado imediatamente da Fundação Palmares. Moïse e sua família merecem respeito!", anunciou a parlamentar no Twitter.
Entenda o caso
Moïse foi espancado a pauladas e estrangulado no quiosque em que trabalhava na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Três homens foram identificados e presos. Segundo a família, o congolês cobrava pagamentos por diárias de trabalho no quiosque. O caso causou comoção internacional e jogou pressão sobre o governo Jair Bolsonaro.
Na manhã de sexta (11), Camargo provocou protestos e agitação nas redes sociais, quando publicou uma postagem sobre Moïse Kabagambe. Conhecido por contestar episódios de racismo, ele escreveu:
"Moise (sic) andava e negociava com pessoas que não prestam. Em tese, foi um vagabundo morto por vagabundos mais fortes. A cor da pele nada teve a ver com o brutal assassinato. Foram determinantes o modo de vida indigno e o contexto de selvageria no qual vivia e transitava".
Em reação, um usuário da rede identificado como "Pedrao Bicampeao" propôs um debate com Camargo sobre o racismo, racismo estrutural e pautas sociais.
"Você coloca todos os seus pontos de vista na mesa e a gente debate", sugeriu.
"Não debato com escravos", respondeu o presidente da Fundação, gerando ainda mais comentários na rede social.
As cópias destas postagens — e de outras — estão anexadas ao processo.
"Como é seu costume, o réu teceu agressões gratuitas para pessoas que ele - como Presidente da Fundação Palmares - deveria assistir e contribuir na resolução de problemas", escreveu Botelho, que defende que a postura de Camargo nas redes sociais serve para "mostrar trabalho alinhado com os mandamentos da família Bolsonaro".
Para o advogado, o fato de o conteúdo ter sido publicado na conta no Twitter é um ato agravante do presidente da Fundação Palmares, porque ele a usa "essencialmente com viés da publicidade do trabalho no cargo". Ele escreveu na peça também que se trata de "sério e grave risco de mais danos irreparáveis ou de difícil reparação da continuidade do réu ofendendo pessoas através de redes sociais".
"Cada dia que o réu inventar nova agressão e acusação sem qualquer método aceitável, levará no futuro o Estado brasileiro a pagar indenizações", argumentou.