A proposta de adoção do semipresidencialismo no Brasil já tem caminho e ritmo de tramitação definidos na Câmara dos Deputados. A transferência de parte do poder do Executivo para o Parlamento ganhou uma fórmula que pretende evitar as acusações de "casuísmo" e "golpe" a fim permitir a votação em 2022. Ela foi definida em reunião de líderes partidários com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o autor da proposta, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).
Para mudar a forma como os brasileiros são governados, criando o cargo de primeiro-ministro e um conselho de ministro nomeados pelo presidente, os parlamentares decidiram adotar um modelo de tramitação parecido com o usado para aprovar a cláusula de barreira para o Congresso, deixando os efeitos da adoção da medida para as futuras legislaturas.
A ideia é que a proposta de emenda à Constituição (PEC) do semipresidencialismo seja analisada e votada em 2022. Caso aprovada, o novo sistema de governo seria adotado somente em 2030. O encontro entre Moreira, Lira e os líderes, aconteceu na terça-feira passada. Eles esperam que as mudanças acertadas desinterditem o debate sobre o assunto e afastem as resistências dos pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas para a disputa presidencial de 2022, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Sergio Moro (Podemos).
Analisar a medida já no ano que vem tem na Câmara a resistência do PT, cujo líder, Bohn Gass (RS), acredita que os deputados da legenda votarão integralmente contra.
— É casuísmo golpista para enfraquecer a presidência de Lula — disse ao Estadão.
Os petistas preferem que a medida seja discutida na próxima legislatura.
Autor da PEC, Moreira terá agora o trabalho de apresentar o texto:
— Acatei a sugestão de alterar a data da mudança e de se fazer esse amplo debate a partir de janeiro. Isso vai desinterditar a discussão, afastando dela o debate eleitoral. Com a adoção em 2030, fica claro que quem quer que seja eleito terá direito a dois mandatos no presidencialismo.
A intenção de Lira era que a adoção do sistema se desse em 2026. A mudança — por enquanto — para 2030 atendeu ao desejo dos líderes.
Outra mudança no projeto é o fim da transição que seria adotada, caso o semipresidencialismo começasse já em 2022, como previa o texto original de Moreira. Seria criado um ministro coordenador até o fim do mandato de Bolsonaro e, em 2023, o primeiro-ministro e o Conselho de Ministros seriam nomeados pelo presidente eleito e aprovados pelo Congresso.
Reeleição
Além da data de adoção, o projeto tem outros pontos polêmicos. Um deles é o artigo que limita a quantidade de vezes que alguém pode ocupar a Presidência a dois mandados, consecutivos ou não. Se valesse hoje, essa medida impediria que um ex-presidente como Lula, que já cumpriu dois mandados, pudesse ser eleito novamente.
O artigo é mais um dos questionados pelo PT. Para Moreira, com a nova data, fica afastada a suspeita de que a proposta seria usada para inviabilizar a candidatura de Lula:
— Não tem casuísmo, nem personalismo. A emenda não é para impedir Moro, Lula ou Bolsonaro. O que queremos é uma governança melhor para o país.
Para ele, o semipresidencialismo traz a vantagem da transparência e, ao vincular os partidos da situação ao governo, a corresponsabilidade.
— Os deputados estarão mais preocupados com o controle da inflação do que com o aumento dos gatos públicos — justificou.
Apoios
A proposta de Moreira recebeu o apoio do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e dos ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB).
— Não só estou de acordo, como trabalho para sua adoção. Num modelo muito assemelhado ao português e ao francês — disse Temer.
Ele entende que o novo sistema poderia ser adotado já em 2026, após o Congresso aprovar o projeto e submetê-lo a referendo popular.
Além da reeleição, outra polêmica é o sistema ser adotado sem outras mudanças eleitorais para melhorar a qualidade da relação dos partidos políticos com os eleitores. O cientista político e pré-candidato do Novo à Presidência, Luiz Felipe dAvila, afirmou que a mudança do sistema de governo "não pode ser casuísmo para livrar o Brasil de maus presidentes".
Para ele, antes de mudar o sistema, "é preciso aprovar a reforma política: voto distrital, cláusula de barreira para reduzir o número de partidos e manter proibidas as coligações proporcionais".
Ele acredita que, depois disso, seria possível debater o sistema:
— O semipresidencialismo pode ser uma alternativa, pois ajuda a separar as funções de chefe de Estado e chefe de governo. Essa divisão obriga o chefe de governo, o primeiro-ministro, a ter maioria no Parlamento para aprovar os projetos prioritários do governo.
O cientista político José Álvaro Moisés concorda com o diagnóstico de dAvila:
— O risco do casuísmo existe, razão pela qual tendo a colocar a reforma eleitoral para pensar de forma mais abrangente a questão.
Segundo Moisés, na América Latina exacerbou-se a figura do presidente, visto como a figura capaz de realizar os sonhos e os desejos do povo:
— Aposta-se menos na participação cívica e mais na figura carismática.
Senado
O novo sistema coloca as funções administrativas de governo — como a gestão do orçamento — nas mãos do Conselho de Ministros. O presidente perde as funções de governo, permanecendo como chefe de Estado. Ele ganha, porém, o poder de dissolver a Câmara. Como isso deve ocorrer é outro ponto polêmico da PEC.
Quando se chega a um impasse, no qual o Parlamento rejeita pela terceira vez o candidato a primeiro-ministro ou quando ele o derruba, o presidente pode dissolver a Câmara. A PEC não prevê que a medida atinja o Senado, apesar de os senadores elegerem o primeiro-ministro em sessão do Congresso.
— Os senadores representam menos de 15% e não são determinantes para a governabilidade — afirmou Moreira.
Apesar das movimentações na Câmara, há entre os políticos ceticismo sobre a mudança. O ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio — derrotado nas prévias do PSDB que escolheu o candidato tucano à presidência — avalia que hoje já está em vigor um semipresidencialismo "torto", com as emendas de relator no orçamento.
— Não dá para fazer esse debate com os atores que temos hoje no Congresso. Eu defendo o parlamentarismo, e aceitaria o semipresidencialismo se os atores fossem outros, e ele se abrisse caminho para o parlamentarismo — afirma.
Presidenciáveis resistem à mudança do sistema
Os três pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas para eleição presidencial de 2022 rejeitam ou encaram com frieza a possibilidade de mudança do sistema de governo do presidencialismo para o semipresidencialismo.
A mudança é vista com desconfiança por Sergio Moro (Podemos). Ele disse que "o presidencialismo, apesar de criticado, pode funcionar":
— Agora ele precisa ter um projeto e não pode degenerar nesse presidencialismo do mensalão, do petrolão ou hoje nesse cenário de falta de transparência entre Congresso e Executivo.
A PEC foi ainda criticada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que a chamou de "golpe". Já o presidente Bolsonaro disse que a proposta é "coisa de idiota". E afirmou que os parlamentares estavam lançando a ideia do semipresidencialismo "para acobertar outras coisas".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.