A Polícia Federal encerrou há quase dois meses as investigações sobre a live realizada pelo presidente Jair Bolsonaro, em julho, com ataques às urnas eletrônicas. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do caso, levou mais de 60 dias para dar encaminhamento às apurações da PF. Ainda não há, porém, uma definição clara de qual será o futuro das ações que miram as denúncias de Bolsonaro, sem provas, contra o sistema eletrônico de votação.
O caso é sigiloso e tramita paralelamente ao inquérito das fake news. Ao jornal O Estado de S. Paulo, integrantes da PF disseram ter disponibilizado a íntegra dos autos ao Supremo em meados de setembro, como consta no acompanhamento processual disponível no site da Corte. Até aquele momento as autoridades policiais estavam concentradas na fase de instrução, ou seja, de produção de provas.
Na segunda-feira, 22, Moraes expediu uma decisão, em caráter de segredo de Justiça, e encaminhou o caso para a Procuradoria-Geral da República (PGR), que é quem deve analisar o material e julgar se cabe denúncia contra Bolsonaro. Os autos do processo chegaram na tarde de terça ao gabinete do procurador-geral, Augusto Aras. Segundo a PGR, ainda não há prazo estimado para envio de resposta ao Supremo.
Há na Corte outro processo, sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que trata da live presidencial. A ação apresentada pelo PT, em julho, pede a instauração de inquérito para apurar eventual crime de improbidade administrativa no uso da TV Brasil para retransmissão da live por Bolsonaro. As primeiras decisões foram tomadas em agosto, mas o caso seguiu o mesmo caminho da investigação sob relatoria de Moraes. Ao todo, foram três meses e seis dias sem movimentações que dessem encaminhamento.
"Não existe um prazo para que uma investigação aconteça, ou um tempo mínimo entre as atividades que a Polícia Federal deve fazer para investigar. Mas não há nada que eu possa imaginar como justificativa para que uma investigação dessa importância fique dois meses 'parada' sem que se faça qualquer atividade", afirmou o professor de Direito Penal Thiago Bottino, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Direito/Rio)
Cobrança
Cármen Lúcia voltou a despachar sobre o assunto na terça-feira, 23. A decisão veio em forma de cobrança à PGR, que também possui apuração preliminar aberta para investigar os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas. A magistrada deseja informações sobre o andamento do caso no Ministério Público. Na sua avaliação, as ações adotadas pela Procuradoria-Geral são "heterodoxas" por não se basearem em "fundamentos jurídicos expressamente declarados".
A investigação em curso na PGR é vinculada ao caso em tramitação no Supremo. Foi por isso que Cármen Lúcia exigiu a apresentação de cópia integral de todas as ações tomadas por Aras.
A ministra destacou, na decisão, que quaisquer medidas, como arquivamento, diligências, encaminhamentos ou apurações preliminares, deverão ser submetidas ao processo sob sua relatoria, e "não em documento inaugurado, sem base legal, em 'Notícia de Fato' instaurada a partir de cópia dos autos". Para Cármen Lúcia, é preciso que se garanta "o controle jurisdicional nos termos da Constituição e das leis da República".
No diagnóstico do professor de Processo Civil Wallace Corbo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Direito/Rio), a demora na tramitação dos casos no Supremo revela a omissão do procurador-geral da República em investigar Bolsonaro e avançar com as ações necessárias para solucionar os inquéritos criminais contra ele.
"É difícil definir se três meses (de paralisação do processo) é um prazo amplo ou não. É desejável que o Supremo decida com maior velocidade e não aguarde mais de um mês para verificar se o PGR está comprometido em investigar eventuais condutas criminosas", observou Corbo. "Numa democracia que está ameaçada por um presidente que pratica atos, com indícios relevantes de que sejam criminosos, aguardar três meses para verificar se quem deveria atuar não está atuando pode ser considerado excessivo."
Na avaliação de Corbo, a demora não pode ser atribuída simplesmente ao Supremo. "Existe, no mínimo, um compartilhamento de responsabilidade primordial do procurador-geral da República que vai reiterar a posição de evitar qualquer tipo de celeridade, em processos dessa natureza, que tenham o presidente como investigado pela prática de atitudes criminosas", disse ele. Procurada pela reportagem, a PGR disse não reconhecer as críticas, pois atua em todos os casos de maneira igual e mediante os encaminhamentos dos tribunais.
A live de Bolsonaro também é alvo de inquérito administrativo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob relatoria do corregedor-geral Mauro Campbell, que herdou o processo do ex-ministro Luís Felipe Salomão e tem dado continuidade às investigações. Um dos desfechos possíveis na Justiça Eleitoral é o indeferimento da candidatura de Bolsonaro em 2022, caso seja comprovada a prática dos crimes de abuso de poder político e econômico, fraude, uso indevido dos meios de comunicação, entre outros.
Procurados pela reportagem por meio da assessoria de imprensa do Supremo, os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia não quiseram se manifestar.