Para garantir aval ao regime de recuperação fiscal, o governo do Rio Grande do Sul prepara mudanças na proposta de emenda à Constituição (PEC) do Executivo que prevê a criação do teto de gastos no Estado.
A intenção é adequar o texto às exigências da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que, em portaria publicada no último dia 14, detalhou como deve ser a medida — contemplando não apenas valores destinados a custear a máquina e a pagar salários, mas também recursos para investimentos.
De acordo com a STN, as despesas primárias empenhadas, isto é, os gastos previstos anualmente pelo Estado, com exceção do pagamento de dívidas, devem ter crescimento limitado à variação do IPCA. Ou seja: não podem aumentar além da inflação, como já ocorre no caso do teto de gastos federal, criado em 2016. Despesas primárias incluem custeio, pessoal e investimentos. A intenção, com isso, é assegurar maior controle das contas públicas.
Hoje, no Estado, esse assunto é tratado em duas PECs, que tramitam em paralelo na Assembleia desde o fim de 2020. Ambas trazem conteúdos distintos. Apresentada pelo governador Eduardo Leite em dezembro, a PEC do Executivo restringe o crescimento dos gastos por 10 anos à variação da inflação e contempla as despesas primárias correntes (custeio e pessoal, sem investimentos).
A outra proposta, protocolada em novembro de 2020, é de autoria do deputado Fábio Ostermann (Novo), com assinaturas de mais 21 parlamentares. O texto impõe prazo de até 20 anos para o teto, limitando o avanço das despesas primárias pagas a 90% da inflação ou do crescimento das receitas. O texto exclui do teto investimentos em infraestrutura (rodovias, hidrovias, ferrovias, portos e aeroportos).
No último dia 19, Ostermann, que também preside a Frente Parlamentar de Combate a Privilégios, foi até o Palácio Piratini acompanhado de colegas para falar com o governo sobre as PECs.
— Nossa grande preocupação é que o assunto avance neste semestre para que as regras já estejam previstas na lei orçamentária de 2022. Pautamos a reunião com o governo para mostrar que existe um grupo de deputados favorável ao teto de gastos. Mais importante do que pleitear a autoria da proposta é que a medida se concretize. Não vejo problemas se o texto final ficar mais rigoroso, pelo contrário — ressalta Ostermann.
Segundo o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, a pasta já está trabalhando para ajustar o texto do Executivo às exigências da STN, levando em conta, também, as sugestões dos deputados.
— Neste momento, a gente está refletindo sobre a portaria da STN e sobre como atendê-la. A ideia é tentar uma convergência. O teto é uma medida de disciplina fiscal para o futuro, que precisa ser adequadamente construída para não impedir despesas que sejam virtuosas para o Estado — pondera Cardoso.
A nova redação da PEC irá obedecer ao formato condicionado para a adesão ao regime de recuperação pelo prazo mínimo exigido, de três anos (2022, 2023 e 2024). Isso não impede, conforme Cardoso, que o intervalo seja estendido, mas com outras condições, que podem ser um meio-termo entre as duas PECs em discussão.
Quanto à inclusão dos investimentos na regra, o secretário afirma que não haverá prejuízo ao Estado nesses três anos. Ele argumenta que o governo já vem cumprindo a regra do teto (mesmo sem sua existência formal) e que, se continuar reduzindo gastos com pessoal e custeio, seguirá havendo margem para investir mais em obras e melhorias do tipo, sem furar o teto no somatório final.
— O investimento vai ficar congelado? Não. O grosso das nossas despesas primárias envolve pessoal e vem caindo desde as reformas. Se a gente mantiver essa trajetória, toda variação da inflação poderá ir para investimentos, e isso já será um ganho enorme. Não vai haver prejuízos — afirma Cardoso.
O secretário diz ainda que, se o teto for aprovado, não haverá impacto em áreas essenciais. Como a Constituição exige a aplicação de 12% da receita de impostos em saúde e de 25% em educação, Cardoso afirma que os percentuais continuarão sendo cumpridos.
Oposição critica a medida e alerta para prejuízos
Contrários à criação de um teto de gastos no Estado, deputados da oposição consideram a medida uma ameaça aos serviços públicos, temem o congelamento dos investimentos e alertam para o risco de prejuízos à população.
Líder da bancada do PT na Assembleia, Pepe Vargas entende que a imposição de limites às despesas causará mais problemas do que benefícios.
— Inventaram esse absurdo no país, em 2016, e agora querem repetir o modelo aqui no Rio Grande do Sul, mesmo sabendo que não resolveu nada. Quase dobrou a dívida pública líquida de lá para cá, porque o teto não pega as despesas financeiras, só as primárias. Na realidade, prioriza a transferência de recursos do setor produtivo da sociedade para o setor financeiro. Somos contra — afirma o parlamentar.
A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) também vê o tema com preocupação:
— Temos um crescimento na demanda por serviços públicos e também uma demanda represada em várias áreas, em especial na educação. Se o teto for aprovado, vai acabar prejudicando as pessoas lá na ponta. A adesão ao regime de recuperação também é ruim, porque as regras são extremamente rigorosas. Antes de discutir isso, precisamos cortar as isenções fiscais.
Líder da bancada do PDT, a deputada Juliana Brizola propõe que o controle das contas sirva para dotar ao Estado de condições de investir e vê no teto um impedimento a isso.
— A busca pelo ajuste fiscal deve ser uma responsabilidade de qualquer governo sério que pretende mudar para melhor a realidade de seu povo. Porém isso não pode ser, nem de longe, um garrote no investimento público, única válvula de escape para a crise econômica que nos encontramos — afirma Juliana.
Para ser aprovada, a proposta de emenda à Constituição (PEC) precisa de ao menos 33 dos 55 votos da Assembleia, em dois turnos de votação. A última PEC aprovada pelo governo de Eduardo Leite, que acabou com a exigência de plebiscito para privatizações, obteve 34 votos favoráveis no primeiro turno e 35, no segundo.
O que é o regime de recuperação fiscal
- É um programa criado pelo governo federal para Estados com problemas financeiros. Para aderir, o interessado precisa apresentar um plano de reequilíbrio das contas e cumprir uma série de exigências
- Em troca, durante a vigência do regime (nove anos), fica livre de pagar dívidas e pode fazer financiamentos para quitar passivos
- No RS, a adesão é pleiteada desde 2017. O atual governo considera a medida essencial para evitar a retomada do pagamento da dívida com a União, suspensa por liminar
- Se a liminar cair, o Estado terá de voltar a pagar cerca de R$ 3,5 bilhões ao ano (mais de duas folhas salariais dos servidores do Executivo)
A exigência do teto de gastos
- Uma das condições impostas pela União para a adesão ao regime é a criação de um teto de gastos estadual, nos moldes do teto federal. Sem isso, a adesão é negada
- O teto de gastos estadual precisa contemplar as despesas primárias empenhadas (gastos previstos anualmente pelo Estado, com exceção do pagamento de dívidas). Essas despesas não podem crescer além da inflação e isso deve valer por pelo menos três anos
- As exceções à regra incluem, por exemplo, recursos para pagamento de precatórios e para recomposição de fundos de reserva de depósitos administrativos e judiciais