O advogado e professor de Português Jânio Quadros foi um dos presidentes mais controvertidos do Brasil. Nascido em Campo Grande (MS), antes de se tornar presidente havia sido prefeito e governador de São Paulo na década de 1950.
Com perfil populista e avesso a partidos e conchavos, elegeu-se em 3 de outubro de 1960 sucessor do presidente Juscelino Kubitschek (PSD) com uma votação arrasadora: 48% dos votos (5,6 milhões) contra 28% obtidos pelo marechal Henrique Teixeira Lott (PSD-PTB). Apesar de ter disputado por uma legenda sem expressão, o PTN, Jânio contou com o influente apoio da UDN de Carlos Lacerda.
Maior expressão da direita, a UDN viu no populismo de Jânio uma forma de chegar ao poder, depois de fracassadas tentativas anteriores de concorrer com Eduardo Gomes (1950) e Juarez Távora (1955). A legislação permitia que o eleitor votasse separadamente no presidente e no vice. Acabou Jânio eleito por um grupo de forças, e o vice, João Goulart (PTB), o Jango, por outro.
Jango, que já tinha sido vice-presidente de Juscelino, fazia dobradinha com Lott em 1960. Jânio e Jango assumiram em 31 de janeiro de 1961. O presidente foi empossado com um discurso de saneamento semelhante ao da cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, adotou uma política externa independente, restabelecendo relações comerciais e diplomáticas com os países socialistas. Uma semana antes da renúncia, chegou a condecorar em Brasília com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul o líder da revolução cubana Che Guevara. A guinada esquerdista do presidente deixou em polvorosa os militares e ainda mais desconfiada a opinião pública.
Governo marcado por ações insólitas
A aliança com a UDN durou pouco. O estilo personalista do presidente o levou a escolher um ministério sem consultar seus apoiadores. Com um linguajar rebuscado e fama de beberrão, Jânio marcou sua rápida passagem por Brasília com ações insólitas. Governou por meio de bilhetes endereçados aos ministros e proibiu briga de galos de rinha, corridas de cavalos em dias úteis e uso de biquínis nas praias. Não demorou a ter um Congresso hostil ao seu governo.
Como presidente, esteve no Estado duas vezes — na Festa da Uva, em Caxias do Sul, e num encontro com o presidente da Argentina, Arturo Frondizi, em Uruguaiana. Em ambas as ocasiões foi acompanhado pelo governador Leonel Brizola (PTB). O líder gaúcho havia sido um duro adversário de Jânio nas eleições. Administrativamente, mantiveram relações amistosas.
Jânio renunciou depois de sete meses, alegando um complô de “forças terríveis”. A história mostra que ele planejava voltar com o Congresso dissolvido ou a Constituição modificada para lhe dar plenos poderes. Imaginava que as forças conservadoras não permitiriam a ascensão de Jango, tachado de comunista desde o tempo em que era ministro do Trabalho do governo Getúlio Vargas. A população não clamou pelo seu retorno.
Depois de deixar o Palácio do Planalto, mergulhou no ostracismo por um longo período. Com o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticos cassados. Retornou à vida pública com o fim do regime militar, elegendo-se pela segunda vez prefeito da capital paulista, em 1985, ao derrotar o principal adversário, Fernando Henrique Cardoso. Foi o seu último cargo público. Morreu em 1992.
Carta-renúncia
Jânio Quadros encaminhou a renúncia por escrito ao Congresso Nacional em 25 de agosto de 1961
"Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. – 25 de agosto de 1961. – Jânio Quadros.
"Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.
Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.
Brasília, 25 de agosto de 1961."