A ex-deputada federal Manuela D'Ávila (PCdoB) registrou, nesta semana, boletim de ocorrência na Polícia Civil contra Paola Donida, esposa do vice-prefeito de Porto Alegre Ricardo Gomes (DEM), para denunciar o compartilhamento de foto da sua filha no WhatsApp como suposto ato de crítica política. Para os advogados que auxiliam Manuela, a exposição da imagem de sua filha, de cinco anos, feriu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A ex-deputada diz que ela e sua família foram alvo de campanha de ódio nas redes sociais após o episódio.
Ricardo confirma que sua esposa recebeu e encaminhou a imagem apenas uma vez, em grupo privado de oito mães, no contexto de discussão da volta às aulas na pandemia.
— Ela mandou como quem diz: "Viram, é seguro levar a criança para a escola. Está aqui a Manuela levando". Era essa a intenção dela — diz Ricardo.
O caso
Os pais e crianças da educação infantil privada preparavam-se para a volta às aulas presenciais no dia 29 de abril, uma quinta-feira, em Porto Alegre. Naquele dia, Manuela levou a filha de cinco anos até a porta da escola. Quando a menina estava prestes a ingressar e Manuela parecia despedir-se, uma foto das duas foi feita por um autor que, até o momento, é desconhecido publicamente.
A foto foi registrada pouco antes das 13h30min e, cerca de duas horas depois, estava sendo distribuída em grupos de WhatsApp para criticar Manuela por suposta "hipocrisia" em levar a filha ao colégio enquanto a esquerda defendia as aulas remotas na pandemia.
Em 3 de maio, quatro dias após o registro e distribuição da imagem acompanhada de frases críticas, Manuela publicou um texto no Instagram acusando Paola de ter sido uma das pessoas que iniciaram o compartilhamento da foto com a sua filha. Na carta, Manuela diz que, depois da distribuição massiva, ela e sua família foram vítimas de campanha de ódio e incitação de violência nas redes sociais.
O registro fotográfico, acompanhado de texto, foi postado pelo perfil "Polemizayy", no Instagram. É uma conta sem rosto e de poucos seguidores.
Uma captura de tela de WhatsApp mostra que, às 15h26min do dia 29 de abril, cerca de duas horas depois de a foto ser feita, Paola teria encaminhado o print da postagem em um grupo de mães. A mensagem continha o número do telefone celular de Paola e mostrava que a publicação do perfil Polemizayy havia sido feita sete minutos antes do print que passou a ser encaminhado.
Ricardo afirma que sua esposa apenas recebeu e repassou uma vez, não sendo responsável pelo início da distribuição (veja contraponto na íntegra ao final).
Existe um segundo print de mensagem enviada por Paola em grupo de mães. Neste caso, a pessoa que salvou a tela tinha o número gravado na agenda, e o contato aparece descrito como "Paola Mãe *****". O print já mostrava a postagem contendo o carimbo "encaminhada com frequência", ferramenta utilizada pelo WhatsApp para indicar que um conteúdo está com circulação acentuada.
Por fim, há uma resposta do perfil de Paola no Instagram ao texto em que Manuela a acusa de ter ajudado na disseminação do conteúdo. Na réplica, o perfil de Paola escreveu: "Cara Manuela, tu não me conhece, mas eu te conheço e pelo jeito tudo que sempre ouvi de ti estava correto. Realmente, encaminhei aquela foto num único grupo de mães, pois sabia que lá tinham algumas apoiadoras tuas", diz trecho da publicação.
Ricardo confirma que a rebatida foi feita por Paola depois que ela começou a receber, ainda no dia 3 de maio, uma série de pedidos de amizade e de ofensas no Instagram, o que seria uma consequência da carta em que Manuela tratou publicamente do caso.
A ex-deputada do PCdoB ingressou na Justiça para solicitar a quebra do sigilo telemático do perfil do Instagram que publicou a fotografia, o que está pendente de análise. A intenção é descobrir quem opera a conta que iniciou a exposição de sua filha. Ela também requereu a exclusão da publicação do Instagram, mas o administrador apagou a postagem após a repercussão.
Ricardo: "Manuela deveria ter vindo a público para dizer que não tirei essa foto"
O vice-prefeito Ricardo Gomes confirma que os prints da mensagem que sua esposa enviou em um grupo de mães são verdadeiros. Ele acredita que duas integrantes do mesmo ambiente virtual tenham salvo idêntica publicação.
— A Paola encaminhou. Ela fez o que qualquer um de nós faz mil vezes ao dia. Ela recebeu já na forma de print de um perfil do Instagram. E encaminhou em um grupo. Já conversamos, ela não lembra de ter encaminhado em mais de um. Encaminhou em um grupo de oito mães da escola. Foi no contexto de volta às aulas. Ela não escreveu nada embaixo (do print), não escreveu nenhuma mensagem ofensiva, não tem nenhum texto da Paola sobre esse print — diz Ricardo.
Ele afirma que o fato de a mensagem enviada pela sua esposa aparecer em um dos prints com o carimbo de "encaminhada com frequência" não significa que ela promoveu farta circulação do conteúdo.
— Quando a primeira mulher printou, pode ser que o WhatsApp ainda não tivesse marcado aquela imagem como encaminhada com frequência. E quando a segunda olhou e printou, o WhatsApp já tinha assinalado como encaminhado com frequência. É uma interpretação que eu faço — diz o vice-prefeito.
Ele afirmou que sua família "não conhece, não frequenta e não sabe quem está por trás" do perfil de Instagram que publicou a foto de Manuela com a filha.
Ricardo avalia que a distribuição da mensagem não infringiu o ECA.
— Não feriu, honestamente. Era uma coisa que estava circulando. Não quero justificar o uso da imagem de criança para fazer ataques políticos, não quero ser interpretado assim, mas a criança estava de lado, de máscara, é impossível identificar. Na minha leitura, não dá para identificar a escola nem a criança. Dá para ver que a Manuela levou a filha. É isso. Não tem infração ao ECA. Não se usou aquela imagem para fazer uma tensão — afirma.
O vice-prefeito diz que a vida de sua família tornou-se intranquila após o episódio. Ele lamenta que também passou a sofrer ameaças pelos canais virtuais.
— Minha vida virou um inferno e a da Paola também. Ela nunca quis agredir a Manuela. Foi um gesto de defesa de volta às aulas presenciais no ímpeto. Recebeu o print e mandou. A Manuela deveria ter vindo a público dizer: "Não foi o Ricardo Gomes que tirou a foto".
Outro caso
No dia 21 de maio, Manuela D'Ávila registrou ocorrência na Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações (DRCID) para denunciar ameaças textuais de assassinato e estupro em postagens de perfis apócrifos no Facebook contra ela e sua filha. Um inquérito foi aberto para apurar quem são os responsáveis pelas contas. Foi pedida a quebra telemática dos dados dos quatro perfis à Justiça, o que está pendente de análise. O delegado responsável, André Lobo Anicet, avalia que o episódio das ameaças contra Manuela e a filha podem caracterizar os delitos de ameaça e crime contra a honra.
Anicet destaca que o inquérito apura somente as atitudes de perfis anônimos de Facebook, cujos autores são desconhecidos até o momento. Logo, o episódio da fotografia da filha de Manuela na porta da escola não está sob investigação na DRCID. A imagem não foi reproduzida nas postagens que contêm as ameaças. Até o momento, inexiste qualquer vinculação motivacional entre os episódios. Para as autoridades que analisam o caso, são fatos separados. Ricardo e sua esposa não estão envolvidos no inquérito que verifica as ameaças feitas no Facebook.