O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto de Franco França, disse nesta quinta-feira (6) que a postura do Brasil, contrária à quebra de patentes de vacinas contra a covid-19 proposta pela Índia e África do Sul na Organização Mundial de Comércio (OMC), não é exatamente fixa e imutável.
— Temos sempre o direito de mudar de opinião. Não tenho amor a nenhuma dessas posições — disse em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado.
O chanceler foi consultado sobre o tema depois que os Estados Unidos anunciaram que mudaram de posição e decidiram apoiar, agora num total de cem países ou cerca de dois terços dos membros da OMC, a proposta de "waiver" (suspensão) do licenciamento das vacinas.
Nas primeiras horas da manhã, a União Europeia (UE) também disse que estaria do mesmo lado dos americanos. Perto do meio-dia, porém, o governo alemão, de Angela Merkel, se opôs à quebra de patentes das vacinas contra o coronavírus.
O "waiver" foi proposto no Conselho de Trips da OMC em outubro do ano passado. Outras iniciativas vêm sendo discutidas, como o Accelerator e o Covid-19 Technology Access Pool, o ACT, ambas na Organização Mundial da Saúde (OMS).
A posição do Brasil sobre o tema — mantida por enquanto, de acordo com o ministro — é a de aceitar a proposta liderada por Canadá e Chile, conhecida como "terceira via".
— Nada impede que a posição (do Brasil) de hoje seja atualizada amanhã — considerou, em relação ao encontro virtual que terá nesta sexta-feira (7) com a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, para buscar "entender" a nova posição americana.
É possível, de acordo com França, que a flexibilização da proposta da Índia e da África do Sul possa criar uma condição multilateral para a questão. Na quarta-feira (5), os membros da OMC discutiram o tema e os dois países que encabeçam essa linha se propuseram a atualizar o documento, com outra reunião para debater o assunto previsto para ocorrer em algumas semanas. Essa condição multilateral sobre quebra de patentes, se realmente for definida, favorece o Brasil, segundo o diplomata.
França salientou, porém, que uma nova proposta pode tomar tempo.
— Não será para amanhã — advertiu.
Ele também disse aos senadores que, se for consultado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o tema, deve aconselhá-lo a favor de uma postura flexível e pragmática sobre "waiver". Isso porque, de acordo com o ministro, é uma posição que pode "favorecer a todos". Além disso, afirmou que também quer ouvir as farmacêuticas sobre o assunto para entender como elas podem entrar, de fato, no acordo.
O ministro comentou ainda que a OMS tem falado sempre sobre a necessidade de se ampliar a produção de vacinas nos mais diferentes locais para dar uma resposta global à pandemia.
— Temos sempre o direito de mudar de opinião se for para defender os mais legítimos interesses do Brasil, mas não vejo que o Brasil esteja isolado — disse, ressaltando que a opção do país foi a mesma do Canadá, do Chile e da própria administração da OMC.
Essa afirmação foi feita depois que a presidente da comissão, a senadora Kátia Abreu, questionou o convidado sobre se o Brasil estaria certo e os demais cem países, errados. Ela se disse uma liberal, mas salientou que o acordo que abre essa possibilidade de quebra de patentes já existe para casos considerados mais extremos na OMC, e que a pandemia é um deles.
— Sou liberal, mas o acordo de Trips não foi fechado por mim. Não queremos nada de graça, podemos pagar — afirmou.
A senadora cogitou ainda a hipótese de, depois de se tornar um produtor, o Brasil vender vacinas para países da África e vizinhos.
— Podemos ser a grande farmácia da América Latina — vislumbrou.