O município de Dom Pedro de Alcântara, no Litoral Norte do RS, perdeu quase metade do orçamento em desvios que teriam sido feitos pelo tesoureiro da prefeitura, Simão Justo dos Santos, para cobrir perdas pessoais no mercado financeiro pessoais. Indiciado por peculato, o tesoureiro foi detido em prisão preventiva no final de fevereiro e hoje está em liberdade.
O orçamento do município para 2021 era de R$ 18 milhões, mas R$ 8 milhões desapareceram das contas do município. Após avisos do banco, o prefeito e vice-prefeito da cidade encontraram nos extratos das contas municipais transferências de até R$ 50 mil de Simão para sua conta pessoal.
Apurações preliminares da prefeitura indicam que a maior parte dos desvios ocorreu nas áreas da saúde, educação e fundo de previdência dos funcionários municipais. Sumiram até os R$ 150 mil destinados pelo Governo Federal para concluir as obras de uma creche. Os 196 alunos de escolas municipais, que retomam as aulas no dia 10, poderão ficar sem merenda e transporte. Pelo menos quatro professores deixarão de ser contratados.
— Fiquei sem chão — afirma o prefeito Alexandre Evaldt (MDB).
O desvio afetou gravemente a prestação de serviços básicos à população. Ervas daninhas se acumulam na beira de estradas porque faltou verba para reformar as roçadeiras. Já os pneus de máquinas retroescavadeiras, que deveriam ser trocados, ganharam remendos improvisados com parafusos.
Em março, 184 pessoas deixaram de ser testadas para a covid-19 porque não havia dinheiro para a compra do material. Falta medicamentos básicos na farmácia municipal e não há recursos para bancar exames a pacientes como Yasmin, de dois meses de idade, que nasceu com um desencaixe entre o fêmur e o quadril.
— Eu fui no posto pra fazer e elas falaram pra mim que eles não estavam fazendo exame, que não tinha dinheiro pra comprar os exames, por causa desse valor que tinha sido roubado — lamenta a mãe Samanta de Aguiar, que é dona de casa.
Apurações da prefeitura mostram que o funcionário tinha várias senhas e, com elas, realizava transferências que chegavam a R$ 50 mil cada. A prefeitura também afirma que Simão maquiava prestações de contas. O gerente de uma das contas bancárias do município estranhou os altos valores das TEDs feitas por Simão e alertou a prefeitura.
— Ele utilizava a senha dele e a senha de outros servidores, de outros agentes políticos —explica o assessor jurídico da prefeitura, Giovane Trajano.
Localizado pela reportagem na casa da namorada, em Torres, onde chegou a cumprir prisão domiciliar, Simão disse que só falaria à reportagem se fosse autorizado pelo seu advogado, o criminalista Vitor Giazzelli Peruchin. O defensor, entretanto, alegou que não irá se manifestar porque o inquérito tramita em segredo de justiça.
Ao prestar depoimento, o tesoureiro explicou que investiu R$ 200 mil em uma aplicação conhecida como “stop loss”, mas perdeu o dinheiro. Então, ele pretendia usar os recursos desviados para, supostamente, recuperar o prejuízo e ainda devolver os valores à prefeitura. Mas, segundo a polícia, houve perdas sucessivas até chegar o valor preliminar apurado pela gestão municipal.
— Ele acabou imaginando, que retirando da prefeitura, ele conseguiria apostar nessas bolsas, investir nas bolsas, retirar o que ele havia perdido, e em um segundo momento devolver para Prefeitura Municipal — explica a chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor.
O tesoureiro foi indiciado por peculato, crime cuja pena pode variar de dois a 12 anos de prisão. O Ministério Público pediu mais investigações e aguarda o resultado delas para avaliar se oferece denúncia. A população do município está chocada com o ocorrido, e o prefeito, também.
— Ele era conhecido de todos, e ele era visto como pessoa de bem. É um guri que se criou com a gente ai, está há 12, 13 anos na tesouraria — lamenta Alexandre Evaldt, que iniciou uma peregrinação entre as autoridades estaduais e federais para pedir ajuda.