A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (4) o texto-base de um projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional e acrescenta no Código Penal vários crimes contra o Estado Democrático de Direito. A votação foi simbólica, mas contou com a resistência do governo, que orientou deputados da base a votar contra, e do PSL, que atuou para tentar tirá-la da pauta. O texto ainda precisa passar pelo Senado.
Os deputados analisam agora os destaques apresentados pelos partidos ao substitutivo da deputada Margarete Coelho (PP-PI), que cria um novo título no código para tipificar dez crimes em cinco capítulos. Entre eles os crimes de interrupção de processo eleitoral, fake news nas eleições e atentado a direito de manifestação.
Assim, por exemplo, no capítulo dos crimes contra a cidadania, fica proibido impedir, com violência ou ameaça grave o exercício pacífico e livre de manifestação de partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, órgãos de classe ou demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos.
A pena é de um a quatro anos de reclusão, mas aumenta para dois a oito anos se da repressão resultar lesão corporal grave. No caso de morte, vai para quatro a 12 anos.
Texto
O texto aprovado tipifica crimes como o de insurreição. Esse crime será caracterizado como impedir ou restringir, com emprego de grave ameaça ou violência, o exercício de qualquer dos poderes legitimamente constituídos ou do Ministério Público, ou tentar alterar a ordem constitucional democrática. A pena prevista é de 4 a 8 anos de reclusão.
O texto diz ainda que não constitui crime a manifestação crítica aos poderes constituídos, nem a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.
Entretanto, será crime, punido com reclusão de um a quatro anos, impedir, com violência ou grave ameaça, o exercício livre e pacífico de manifestação de partidos ou grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos.
Margarete Coelho incluiu ainda crimes como o de violência política, de incitação à animosidade entre as Forças Armadas e de espalhar fake news em época de eleições.
Repercussão
O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), comemorou a aprovação da proposta.
— Fizemos história de conceito antigo que precisava ser visto — disse.
A deputada Margarete Coelho classificou a Lei de Segurança Nacional como "entulho autoritário".
— É uma virada de chave extremamente importante — afirmou.
Na forma vigente, em sua sexta versão, a Lei da Segurança Nacional foi sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem política e social - incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República.
Ao revogar a LSN, a Câmara se antecipa a uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para limitar o alcance da legislação atual. Ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionam trechos da regra em vigor, e magistrados já indicaram ver inconstitucionalidades.
O Estadão mostrou, em março deste ano, que o número de procedimentos abertos com base na lei pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve um total de 20 inquéritos entre 2015 e 2016. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações.
A lei serviu, por exemplo, para a Polícia Civil do Rio intimar o youtuber Felipe Neto após o influenciador digital chamar Bolsonaro de "genocida", e para o Ministério da Justiça pedir a investigação da publicação de uma charge na qual Bolsonaro aparece transformando a cruz vermelha (símbolo de hospitais) na suástica nazista.
Para o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), a proposta legitima ações do STF contra deputados e apoiadores do governo Bolsonaro.
— É uma lei que deve ser estudada, mas da forma açodada que vem para o plenário, não podemos aceitar — disse.
— Se é para torná-la melhor, deveria ser aprimorada, e não da forma que ela vem."
A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), manifestou preocupação com o texto aprovado. Para ela, permanece a possibilidade de criminalização dos movimentos sociais.
— O texto prevê tipos penais extremamente abertos e sabemos como esses tipos penais abertos podem levar à criminalização de movimentos sociais. Sabemos quão seletivo é o estado penal — disse.
Orlando Silva (PCdoB-SP) descartou a possibilidade.
— Não seríamos nós, do PCdoB, que iríamos escrever uma lei que perseguisse movimentos sociais.
Para Rodrigo de Castro (PSDB-MG), trata-se de um " encontro histórico com a democracia".
— Talvez o último entulho autoritário do País esteja sendo varrido agora — disse.