Quase 20 anos depois, a Assembleia Legislativa está prestes a acabar com o dispositivo que obriga o Estado a consultar a população antes da venda de estatais. Nas projeções do Palácio Piratini, já há votos suficientes para aprovar na terça-feira (27) o proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a privatização da Corsan, Banrisul e Procergs sem necessidade prévia de plebiscito.
Uma reunião na tarde desta quinta-feira (22) conduzida pelo governador Eduardo Leite alinhou a estratégia da base governista para a votação. Como a sessão será híbrida, com a maior parte dos deputados participando via teleconferência, há um temor de ruídos de última hora, seja por dificuldades de conexão ou até mesmo por falta de disposição política de votar um tema sensível.
Nas contas dos articuladores do Piratini, há ao menos 35 votos favoráveis à medida. Para aprovação, são necessários 33 votos entre 55 deputados (três quintos), em dois turnos de votação. Por se tratar de uma pauta cara às bancadas liberais, o governo conta com os dois votos do Novo e pelo menos três do PSL, partidos considerados independentes.
Entre os aliados, há defecções identificadas no MDB, com Patrícia Alba, e no PP, com Issur Koch. O governo também não poderá contar com o voto de Ernani Polo (PP), que permanece em licença em recuperação da covid-19, e p airam dúvidas sobre os votos de Tiago Simon (MDB) e Adolfo Brito (PP).
De autoria do deputado Sérgio Turra (PP), a PEC 280 foi protocolada em setembro de 2019, após o governo aprovar iniciativa semelhante projetando a venda da CEEE, CRM e Sulgás. A previsão de plebiscito antes da privatização de estatais havia sido incluída na Constituição do Estado em 2002, em emenda patrocinada pelo PDT. Com a iminente aprovação da proposta de Turra, não haverá mais impedimentos e o Rio Grande do Sul deixará de ser o único Estado a exigir consulta preliminar à população para venda de empresas públicas.
Confiante na hegemonia da base em plenário, o Piratini prepara o passo seguinte. Já circula nas hostes governistas a minuta do texto que será enviado à Assembleia autorizando a venda da Corsan. Será um projeto de lei ordinário, porém como se trata de alienação de patrimônio há exigência e pelo menos 28 votos favoráveis.
Antes da venda, o governo pretende realizar em outubro uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa de Valores de São Paulo. O objetivo é arrecadar R$ 1 bilhão para reforçar o capital da companhia e assim atrair compradores. A privatização deve ocorrer somente em 2022, com o governo mantendo 30% das ações.
Para o vice-líder da bancada do PT na Assembleia, Luiz Fernando Mainardi, o governo tenta esconder da população o debate sobre o assunto.
— Se essa privatização é algo bom para a sociedade, por que não debater com a população Você só esconde das pessoas o que não é bom. A água é um recurso que atinge a vida de todas as pessoas, como pode não ser debatido? — analisa Mainardi.
Segundo ele, se aprovada a medida, a população sentirá os efeitos apenas quando for tarde demais, "ao notar que o serviço piorou e o preço aumentou".
— Podemos observar casos de locais como Buenos Aires, Paris e outras centenas de cidades no mundo que optaram pela privatização desse recurso, e voltaram atrás, porque teve aumentou no valor e piora no serviço. Isso ocorre porque a natureza da empresa privada é o lucro. Já a do governo é o bem-estar das pessoas — acrescenta.
Na campanha eleitoral de 2018, Leite prometeu que não privatizaria a Corsan e o Banrisul. Para justificar a venda da empresa, o governador disse em março que o Estado não tem capacidade financeira de manter os investimentos exigidos pelo marco federal de saneamento básico. Presente em 317 dos 497 municípios gaúchos, em 2020 a Corsan teve receita líquida de R$ 3,2 bilhões, com R$ 480 milhões de lucro. Por enquanto, Leite mantém disposição de não privatizar o Banrisul e a Procergs.
*Colaborou Bruna Viesseri