Em plena pandemia, vereadores que não se reelegeram ou não concorreram estão participando de cursos de qualificação, que deixa até Câmaras inteiras vazias. Alguns, porém. sequer lembram do que aprenderam.
Em Erval Seco, no noroeste do Estado, parlamentares e servidores programaram viagem para a capital federal, onde acontece a Marcha dos Vereadores entre terça-feira (8) e quinta-feira (10). Por isso, quem ligava para a Câmara nesta sexta-feira (4) era informado que não haveria sessão na próxima semana.
Promovida pela União dos Vereadores do Brasil (UVB), a marcha, na verdade, é uma série de palestras sobre assuntos que vão de neurolinguística a divulgação de mandatos. A inscrição custa R$ 600.
— A marcha é legal. Reivindicamos um Brasil melhor, um novo pacto federativo. Precisamos da presença de todos os vereadores e vereadoras do Brasil — afirmou Gílson Conzatti (MDB), em vídeo publicado nas redes sociais. Ele é vereador de Iraí e presidente da UVB.
No ano passado, o evento teve até sorteio de carros. Hoje, a marcha é mais enxuta: o limite é de 800 pessoas, segundo Conzatti. Em Erval Seco, o presidente da Câmara de Vereadores, Ricardo Schneider (PTB) decidiu participar, mesmo sem ter concorrido à reeleição, mas, na conversa com a reportagem, mostrou insegurança:
— Cara, temos que ver ainda. Não tá certo, nada certo.
O motivo da dúvida é que o Ministério Público pediu explicações à Câmara sobre a viagem. Na mesma cidade, o vereador Gabriel Freitas (PDT) foi candidato, mas não se reelegeu. Mesmo assim, ele foi inscrito na marcha, sem sequer saber a programação do seminário em Brasília.
— É difícil, como que eu vou responder agora o que vou aprender ou não? É hoje que eu vou me informar o que vai ser tratado — disse Freitas.
Os seminários para vereadores estiveram pausados entre março e outubro, devido à pandemia, mas voltaram com toda a força. Em Herval, no sul do RS, o vereador Emídio Pereira Latorre (PP), que não concorreu à reeleição, reconhece que essas atividades costumam repetir os conteúdos.
— É a mesma coisa sempre lá — declarou o vereador.
— Mas se é sempre a mesma coisa, por que o senhor foi fazer o curso? — perguntou a reportagem.
— Ah, tchê, porque liberaram — disse Latorre.
Para viajar a Porto Alegre, o vereador recebeu R$ 1.270 em diárias. Em tese, o curso o orientou sobre como encerrar o mandato. Na hora de recordar, entretanto, ele não lembra o que aprendeu.
— O senhor não lembra de nada que aprendeu?
— Não lembro, foi muita coisa ali.
— Mas se não lembra, o curso não serviu para nada?
— Serviu, sim. Mas agora eu não vou mais ser vereador.
Especialista em direito administrativo, o advogado José Luiz Blaszak diz que os cursos presenciais já não fazem mais sentido e que a realização desse tipo de treinamento na forma online poderia evitar gastos com transporte e diárias.
— Os tribunais estão realizando sessões de forma virtual, as Câmaras e Assembleias também. Então, não tem sentido que um curso, que poderia ser feito dessa forma, não seja — afirma.
O Ministério Público de Contas decidiu investigar a participação dos vereadores nos cursos.
— Se verificada ausência de finalidade pública, a despesa pode ser impugnada e ser determinada a devolução dos respectivos valores pelo gestor que determinou a viagem — diz o procurador-geral do MPC, Geraldo Da Camino.
O Inlegis garante, por meio de nota assinada pelo diretor Bernard Johann, que o intuito da instituição é capacitar os políticos, mesmo em fim de mandato, "para que possam desempenhar suas funções da forma mais produtiva, conforme orientações dos órgãos de controle, até o término da gestão para a qual foram eleitos". O presidente da UVB não retornou os contatos.
O que diz a InLegis, uma das empresas responsáveis pelos cursos
Informamos que todos os treinamentos são formatados de acordo com as demandas do Poder Público e, no momento, nossas capacitações estão focadas em informações indispensáveis para o encerramento eficiente e a transição com transparência dos mandatos em curso.
Cabe a nós prestarmos os melhores treinamentos e auxiliarmos nossos clientes, sem distinção, inclusive os que estão em fim de mandato, para que possam desempenhar suas funções da forma mais produtiva, conforme orientações dos órgãos de controle, até o término da gestão para a qual foram eleitos.
Em relação à realização de treinamentos presenciais, a empresa segue todas as recomendações dos órgãos de saúde e do Decreto Municipal, que autorizou a realização de cursos presenciais em 19 de outubro. Como forma de ampliar a segurança dos colaboradores e clientes, limitamos nossa capacidade aquém do permitido.