Conteúdo verificado: Vídeo do episódio em que Bolsonaro ameaça repórter do jornal O Globo com uma legenda que muda a narrativa do caso para mostrar que o presidente foi atacado pelo jornalista antes de responder.
O vídeo no qual o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se irrita e ameaça agredir um repórter do jornal O Globo foi compartilhado no Twitter com uma falsa legenda para sugerir que Bolsonaro teria sido provocado pelo profissional antes de atacar. Segundo essa versão, o jornalista teria dito: “Vamos visitar sua filha na cadeia”. Isso não aconteceu.
Embora a legenda afirme se tratar de uma provocação ao presidente, o áudio permite ouvir que a frase dita foi: “Vamos visitar nossa feirinha na catedral, presidente”. Quem faz o convite é um homem que está no meio das pessoas que seguem o presidente. O episódio ocorreu durante visita de Bolsonaro à Catedral Metropolitana de Brasília neste domingo (23).
A versão falsa está viralizando nas redes sociais e foi publicada também por blogs como Terra Brasil Notícias e Senso Incomum, que, posteriormente, reconheceram a divergência – o último tirou o conteúdo do ar. O próprio presidente e seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), compartilharam um vídeo do incidente – sem a legenda falsa, mas com a descrição: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, em referência a um versículo bíblico utilizado pelo presidente em contexto eleitoral.
Como verificamos?
Fazendo uma busca pelas palavras Bolsonaro e cadeia no TweetDeck, chegamos a um post que questiona o ataque do presidente publicado em um perfil no dia 23, às 23h09min. Segundo o TweetDeck, o post era um fio (thread), mas, ao entrar na página pelo Twitter, havia apenas a postagem inicial, que dizia: “Um homem que ver (sic) sua mulher sendo injustiçada, acusada, sendo exposta… Resolve assim! ‘Minha vontade é encher tua boca na porrada’ Pq Bolsonaro é homem!!! Cabra macho. Passar Bem”. Em resposta a um usuário, que alerta que a voz não teria falado sobre uma visita à prisão e, sim, sobre um convite para o presidente ir à feirinha da catedral, a autora diz que apagou o vídeo. Assim, não foi possível encontrar quem postou o vídeo com a legenda falsa pela primeira vez.
Fizemos novas buscas e encontramos o perfil de @SamPancher, que postou o vídeo às 16h56min do dia 23. Em sua publicação, ele legenda apenas o trecho em que o presidente insulta o repórter – “Vontade de encher sua boca com a porrada, tá? Seu safado”. Por mensagem, Samuel Pancher, dono do perfil, nos informou seu telefone e fizemos uma entrevista com ele.
Pancher não soube informar quem gravou as imagens, mas pela plataforma InVid é possível verificar que o vídeo postado por Bolsonaro é o mesmo que ele postou.
Consultamos ainda reportagens publicadas no dia anterior, em que veículos afirmaram terem presenciado a agressão de Bolsonaro. A redação do Globo publicou o áudio gravado por seu repórter (para assinantes) envolvido no incidente. Ao ouvi-lo, é perfeitamente possível concluir que ninguém falou em visitar a filha do presidente na cadeia.
Como foi?
Bolsonaro estava fazendo uma visita à Catedral Metropolitana de Brasília no domingo, quando foi interpelado por um grupo de repórteres. Um profissional do jornal O Globo questionou o presidente sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Os documentos fazem parte de uma investigação sobre suposta prática de rachadinha envolvendo o filho mais velho do presidente.
Além dos repórteres, o presidente era seguido por apoiadores. Uma das pessoas ao seu redor gravou um vídeo com a resposta do presidente, que ameaçou o jornalista: “Vontade de encher tua boca de porrada”. Questionado por outros repórteres se isso seria uma ameaça, não comentou.
O assunto foi um dos mais comentados no Twitter no domingo. Usuários postaram a pergunta feita pelo repórter como forma de pressionar o presidente e se posicionar de forma contrária à agressão verbal.
Apoiadores do presidente
Amparando-se na versão falsa, ao menos uma dezena de sites publicou matérias acusando o repórter de ameaçar o presidente. O blog Senso Incomum publicou o texto “Checamos: Bolsonaro respondeu a repórter que disse ‘Vamos visitar sua filha na cadeia’”.
A versão com a legenda falsa se refere à filha de nove anos do presidente com Michelle.
O texto já foi retirado do ar, e nas redes sociais o site afirmou: “Apagamos o post sobre a fala do presidente, já que alguns internautas ouviram ‘visitar nossa feirinha na catedral’, e não ‘filha na cadeia’, como entendemos. Reafirmamos que sempre cobramos Flávio Bolsonaro sobre Queiroz e comemoramos sua quebra de sigilo que ensejou sua prisão”.
O blog Terra Brasil Notícias, por sua vez, mantém no ar o texto “Vídeo: repórter ataca filha de Bolsonaro e presidente reage; ‘vontade de encher sua boca de porrada’”. O portal publicou um segundo texto com uma errata na qual reconhece que “o repórter de O Globo não se dirige para a filha do presidente Jair Bolsonaro. A reação de Bolsonaro é por conta da insistência do jornalista em indagar sobre um suposto envolvimento da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, com o caso Queiroz”.
Perfis nas redes sociais seguiram técnica semelhante: postaram o vídeo e depois apagaram, mas continuaram afirmando que o presidente foi atacado e estava se defendendo. Desta forma, o conteúdo viralizou sem a inclusão da gravação.
Marca d’água
No vídeo postado pelo presidente há uma marca d’água que aparece embaçada, mas é possível verificar ser a de @SamPancher, um dos primeiros perfis a publicar o vídeo no Twitter – sem a legenda falsa. Em entrevista ao Comprova, Samuel Pancher, estudante de jornalismo paulista, disse que costuma publicar conteúdos relacionados ao presidente e que, por isso, recebe mensagens de seguidores com sugestões de conteúdos para postar. Pancher contou que apenas recebeu o vídeo e legendou a fala do presidente. “Não sabia que iam pegar o que o ambulante falou para criar uma narrativa”, afirmou. “Eu me preocupei em legendar (apenas) o que ele (Jair Bolsonaro) falou.”
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica a veracidade de conteúdos suspeitos sobre as políticas públicas do governo federal que viralizam nas redes sociais. O vídeo que deu origem a esta investigação foi visto 4,7 mil vezes e compartilhado 57 vezes no Twitter até 24 de agosto. Um dos textos com o mesmo conteúdo, o do site Terra Brasil Notícias, foi compartilhado 849 vezes no Facebook. Na página de Bolsonaro, o vídeo (sem a legenda falsa) teve mais de 120 mil visualizações e 18 mil likes até a data.
Esse conteúdo também foi checado por Aos Fatos, Fato ou Fake, Poder 360 e Estadão, que também concluíram que a legenda é falsa.
Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras.
Nesta terceira etapa, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance.
Este conteúdo foi investigado por Jornal do Commercio e Nexo e verificado por SBT, Folha, Estadão, UOL, Rádio Band News FM e Piauí.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GaúchaZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)