O senador Flávio Bolsonaro e o vereador fluminense Carlos Bolsonaro (ambos do Republicanos-RJ) pagaram R$ 31 mil com dinheiro vivo para cobrir prejuízos que tiveram em investimentos feitos na bolsa por meio de uma corretora de valores.
O repasse ocorreu em maio de 2009, dentro do período sob investigação do Ministério Público do Rio sobre a suposta "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Carlos também é alvo de investigações, sob suspeita de empregar funcionários fantasmas na Câmara Municipal do Rio.
O uso de dinheiro vivo foi relatado pelos dois filhos do presidente Jair Bolsonaro à Justiça de São Paulo em processos que moveram contra o Citigroup, banco que comprou a Intra, corretora que originalmente negociou com os dois irmãos.
Os dois acusam um operador da corretora de realizar investimentos em desacordo com suas orientações. Ambos perderam a ação em primeira instância.
O pagamento em espécie cobriu prejuízo do investimento iniciado em 2007. Carlos declarou ter repassado R$ 130 mil à Intra, e Flávio, R$ 90 mil.
De acordo com os processos, em maio de 2019 ambos foram informados de que tinham um débito de R$ 15,5 mil cada um a quitar em razão das perdas ocasionadas pela crise financeira de 2008 que atingiu em cheio a bolsa de valores.
Em sua ação, Flávio afirma que foi informado pelo gerente da mesa de operações da corretora sobre o débito.
"Assustado, o autor disse que não dispunha deste valor em conta corrente, mas entregaria o referido valor em espécie, no intuito de não ter o nome negativado e de não recair sobre si a 'responsabilidade' pelo não pagamento de funcionários da corretora", escreveu a defesa de Flávio.
O senador diz que a entrega do dinheiro se deu em sua casa, à época em Botafogo, zona sul do Rio. Os dados do processo foram relatados pela revista Época em fevereiro de 2019 e confirmados pela reportagem.
Lavagem da rachadinha
O uso de dinheiro vivo é uma das evidências apontadas pelo MP-RJ sobre a existência da "rachadinha" no gabinete do senador na Assembleia. Segundo os promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), o operador do esquema era o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e amigo do presidente há mais de 30 anos.
As investigações apontam que alguns assessores de Flávio sacavam seus salários e repassavam para Queiroz. O período em análise do Gaecc vai de janeiro de 2007 a novembro de 2018, intervalo em que o PM aposentado trabalhou com o hoje senador.
Os investigadores desconfiam que parte do dinheiro vivo tinha como destino o senador. Eles apuram o uso de recursos em espécie na compra de dois apartamentos em Copacabana, na aquisição de mobiliário para um apartamento na Barra da Tijuca e em depósitos na loja de chocolate do senador.
Essas transações, para os promotores, eram a forma de lavagem do dinheiro obtido com a "rachadinha".
O relato feito por Carlos é semelhante ao do irmão, descrevendo também o uso de recursos em espécie para pagar o débito de R$ 15,5 mil.
De acordo com os processos, o primeiro a investir com a Intra foi o vereador, em maio de 2007. A maioria dos depósitos (14 de 18) são de valores que variam de R$ 1 mil a R$ 6 mil até setembro de 2008. Em outras três oportunidades depositou R$ 10 mil e, em agosto de 2007, R$ 53,8 mil.
Flávio fez aportes na corretora a partir de agosto de 2007, em valores maiores. Primeiro R$ 20 mil, depois R$ 10 mil, seguido de depósitos de R$ 40 mil e R$ 20 mil em 2008.
O investimento na corretora, que em setembro de 2008 somava R$ 130 mil, não consta na declaração de bens de Carlos entregue à Justiça Eleitoral naquele ano. O patrimônio listado ao TRE-RJ tinha um carro e um apartamento que valiam, somados, R$ 260 mil.
Até o momento não deu resultado a tentativa de recuperar o prejuízo na Justiça. Flávio e Carlos perderam em primeira instância. Os dois juízes que analisaram os casos avaliaram que os filhos do presidente foram informados das operações realizadas e não tomaram nenhuma atitude para impedir os investimentos. Os dois recorreram.
Outro lado
Os irmãos Flávio e Carlos Bolsonaro afirmaram, em nota conjunta, que o pagamento em espécie não configura uma irregularidade.
"Não houve qualquer irregularidade na forma de pagamento à corretora, tanto que Carlos e Flávio Bolsonaro declararam à Justiça todas as informações necessárias para que pudessem receber reparação. Eles agiram com total transparência, como consta no processo", diz o texto.
Ambos buscaram desvincular o episódio dos fatos em investigação pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
"O caso tem mais de dez anos e ainda corre na Justiça. Misturar esse processo com outros assuntos é um erro. Apenas alimenta ilações fantasiosas e incentiva a campanha de perseguição promovida contra a família Bolsonaro."
Os dois afirmam confiar na Justiça e acreditar que serão reparados pelos prejuízos. "Reafirmamos que nenhum Bolsonaro cometeu qualquer irregularidade e temos a certeza de que a verdade prevalecerá", afirma a nota conjunta.