Jornalistas e ativistas digitais que apoiam o presidente Jair Bolsonaro querem que ele autorize agentes públicos, sobretudo a Polícia Federal (PF), a descumprir medidas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) relativas ao inquérito das fake news. Um grupo de bolsonaristas — incluindo alguns que são alvo deste inquérito — divulgou neste domingo (21) um "manifesto da imprensa independente em favor da democracia".
Após chamarem o inquérito do STF de "a peça mais macabra e totalitária já produzida na história do Poder Judiciário nacional", lançam um apelo ao presidente.
"Fazemos um apelo ao chefe do Executivo e autoridade máxima da nação, Jair Messias Bolsonaro: que, por meio de um decreto presidencial, determine a todos os agentes públicos federais que se abstenham de realizar quaisquer diligências provenientes do Inquérito 4.781 (o das fake news), evitando assim novas afrontas à Constituição Federal e aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. Pedimos que tal inquérito seja declarado ilegítimo e ilegal, por afrontar os princípios básicos da democracia, diz o manifesto.
Assinam 24 pessoas, entre editores e colunistas de alguns dos principais veículos de apoio ao presidente, como Brasil Sem Medo, Estudos Nacionais, Senso Incomum, Crítica Nacional e Jornal da Cidade Online. Todos têm em comum a defesa ferrenha de Bolsonaro, o alinhamento ao escritor Olavo de Carvalho e a prática de distorcer informações e atacar adversários de forma virulenta. Chama a atenção a ausência de representantes do Terça Livre, um dos expoentes da tropa de choque do presidente.
O texto é uma resposta à onda de manifestos de opositores do presidente que pipocaram nas últimas semanas, como "Basta!", "Somos 70%" e "Estamos Juntos".
Os bolsonaristas acreditam que um decreto presidencial será suficiente para isentar agentes da Polícia Federal, por exemplo, de executar diligências do inquérito, como ações de busca e apreensão. Na verdade, nenhum decreto do Executivo tem o poder de suplantar uma decisão judicial, cujo não cumprimento pode ser considerado crime de responsabilidade.
"Com esse decreto, os agentes públicos federais cuja maioria absoluta é composta por patriotas não serão obrigados a sujar as mãos executando atos que agridem a democracia e a dignidade da nação brasileira. Ordens iníquas não devem ser cumpridas, e sim denunciadas. Que esse seja o primeiro passo para enterrar de uma vez por todas esse inquérito totalitário e, em seguida, punir exemplarmente os responsáveis por sua existência", afirma o manifesto.
Sutilmente, os signatários do texto cobram do presidente a fatura pelo apoio que têm lhe dado desde o início do governo. Embora se rotulem como "independentes", são defensores incondicionais de Bolsonaro. "Desde o início do mandato de Jair Messias Bolsonaro, a mídia independente foi uma das únicas instituições que teve a coragem de refletir os anseios do povo perante os desmandos do sistema político", diz o texto.
O grupo equipara o STF a órgãos que se notabilizaram pela perseguição política em regimes ditatoriais comunistas ao longo da história. "Desejam os atuais ocupantes do STF conspurcar a história da instituição, colocando-a no mesmo rol de KGB, Gestapo, Stasi, Securitate, StB, KDS, Kempeitai, MSE, Ovra, G2?".
O inquérito, aberto pelo STF no ano passado, vem gerando polêmica desde seu início. Foi instaurado de ofício, ou seja, por iniciativa da própria corte, para investigar ataques à instituição promovidos sobretudo em redes sociais. O relator, Alexandre de Moraes, não foi designado por sorteio, mas indicado pelo presidente Dias Toffoli.
Uma das críticas está no fato de o STF ao mesmo tempo comandar a investigação e posteriormente fazer o julgamento. Além disso, diversas ações da PF, agindo a mando do tribunal, foram direcionadas a pessoas que expressavam opiniões, o que levanta acusações de cerceamento da liberdade de expressão.
Na semana passada, o plenário do Supremo respaldou a investigação. Moraes disse que "liberdade de expressão" não pode ser confundida com"liberdade de agressão". Para os bolsonaristas, nada disso é convincente, e a simples expressão "fake news" é uma "expressão-valise, dentro da qual se pode colocar qualquer ato desagradável aos chefes da perseguição".
"Já temos a censura, os presos políticos, a invasão da privacidade, a criminalização de opinião, o assassinato de reputações o que mais falta para o medo ser a única linguagem comum do país?", dizem eles, que citam, entre os perseguidos, a militante de extrema direita Sara Winter, presa na semana passada no âmbito do inquérito que investiga atos antidemocráticos.
"Hoje a polícia do STF encarcerou Sara Winter; amanhã, vai fazer o mesmo com nossos pais, nossos irmãos, nossos filhos sendo necessário para isso apenas um comentário crítico em rede social".