O ataque a jornalistas que cobriam a manifestação pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), realizada em frente ao Palácio do Planalto no domingo (3), gerou reações de políticos, magistrados e instituições. Em entrevista ao Timeline desta segunda-feira (4), o general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), falou sobre o episódio.
Para ele, agressões a repórteres são mais um episódio da lógica de confrontação política atual. Há a consolidação do "nós" contra "eles", e o repórter, naquele momento, representou o elemento de insatisfação das pessoas.
— As pessoas achavam que valia a pena a violência. Mas no momento em que a disputa política permitir violência, é barbárie, é a lei do mais forte. É absolutamente inaceitável. Não há dúvida quanto a isso, devemos entender bem o que aconteceu.
O general entende a manifestação como legítima, uma vez que foi como apoio ao presidente e de repúdio a outras autoridades, e "as pessoas têm o direito de se expressar". No entanto, ele afirma haver limites que não podem ser ultrapassados — com as circunstâncias de coronavírus, aglomerações do tipo são "temeridade", segundo Etchegoyen.
"Pedir pelo AI-5 ou intervenção militar é ridículo"
Um dos limites que não devem ser ultrapassados, segundo o general, é o apoio a um eventual ato como o AI-5 ou intervenção militar. Em última análise, as pessoas têm o direito de se manifestar.
— Na verdade, como todo mundo tem o direito de se expressar, também tem o direito de fazer o ridículo, enquanto o ridículo não afetar aos outros a não ser eles mesmos. Porque, pra mim, pedir AI-5 é ridículo. É uma manifestação descabida e anacrônica — relata.
Declarações de Bolsonaro sobre a atuação das Forças Armadas
Questionado sobre as declarações do presidente Jair Bolsonaro, o general diz acreditar que a retórica dele é falar algo e, posteriormente, afirmar que foi mal interpretado, com justificativas da declaração. Sobre a fala específica sobre a atuação das Forças Armadas, Etchegoyen acredita que o presidente afirmou que tal serviço está ao lado da lei. Ele ainda salientou que o Brasil passou por graves crises nos últimos 40 anos, e que a atuação das Forças Armadas jamais foi fonte de inquietude, instabilidade e de questionamento das decisões políticas e, por isso, "não tem porque ser agora".
— Entendi que o presidente quis dizer que as Forças Armadas estão ao lado da lei, o que é uma obviedade. Elas devem estar, graças a Deus, no lado da lei. O resto é esgrimismo de palavras e expressões que podem ser interpretadas de forma diferente. Não tenho dúvida de que, como inúmeras outras vezes, o presidente vai afirmar que "não foi isso que eu disse, vocês me editaram". Daí as pessoas acharem, por uma declaração desse tipo, que as Forças Armadas estariam envolvidas em alguma coisa para desapoiar ou apoiar alguém e não atender uma determinação judicial é uma distância enorme. Nunca houve um comportamento minimamente afastado dos seus limites constitucionais e legais do seu papel, por que aconteceria isso agora?
Mensagem da sociedade é, na verdade, um sinal de desalento
Em reflexão aos medos e desejos da sociedade, Etchegoyen acredita haver, na verdade, uma preocupação de desalento. Para ele, há o medo de uma possível violência institucional para "bancar o presidente". Mas isso, de acordo com ele, "não vai acontecer".
— Tudo bem achar que um militar apoiador do presidente faça uma bobagem. Mas se lermos bons teóricos que se manifestaram neste fim de semana sobre as decisões do STF, veremos que lá já aconteceram algumas coisas muito questionáveis, do ponto de vista da institucionalidade, do ponto de vista dos limites de competência de cada poder. Atualmente, a sociedade tem uma preocupação que, no fundo, traz uma mensagem de tristeza muito grande, de desalento muito grande. O mais triste é ver como nós acreditamos pouco na força da nossa democracia. No menor espirro, a gente corre pra ver se é verdade que o general vai dar um golpe. As cabeças estão grudadas no século 20?
Problemas no STF
Etchegoyen falou sobre a interferência de outros poderes na decisões do presidente. Para ele, há desrespeito à Constituição, pois "há omissão de uns e o avanço de outros". Ele ainda questiona uma falta de denúncia por parte da sociedade em relação à posição do Congresso em defesa da Constituição.
— A gente vê o STF avançar sobre prerrogativas presidenciais porque acham que A, B ou C não tem condições que o presidente achou que tinha. O presidente tem decisão politica e legitima porque foi eleito e está lá pra isso. Quando alguém de fora, que não recebeu nenhum voto, por algum princípio moral e poético que julga que tem, vai lá e modifica aquela competência, isso chama-se CINISMO judicial. Eu sinto que cada vez que botam os militares da cena, é como se a gente fosse no quarto tirassem os fantasmas do armário pra assustar as crianças e irem dormir. Mas ninguém discute o que elas vêem na televisão.
Manifestação em frente aos quartéis é um anacronismo político
Questionado sobre os protestos realizados em frente a quarteis recentemente, Etchegoyen afirma que esse tipo de expressão é um anacronismo político, assim como a existência de partidos comunistas no Brasil. Para ele, quem manifesta dessa maneira acredita em uma força moderadora das Forças Armadas, o que "não é verdade", pois não vê possibilidade de que a instituição "entre numa esparrela dessas".
— As pessoas não creem no rigor da democracia. A gente tem um limite tênue entre a liberdade de expressão e a expressão de ataque à democracia. Quem vai fazer isso na frente de um quartel, tem uma visão distorcida disso. O importante é uma outra discussão: por que as pessoas vão às frentes do quartel? Elas acham que as forças armadas não evoluíram politicamente e ainda acham que seria possível a participação dessa unidade como uma força moderadora, um elemento capaz de salvar a pátria. Não vejo que há possibilidade de as forças armadas entrarem numa esparrela. A gente vê quem pede AI-5, mas também temos Partido Comunista do Brasil. Se olharmos pra história, os exemplos de democracia e de regime assim são rigorosos. Os anacronismos políticos estão presentes em muitas sociedades, na nossa, infelizmente, um pouco mais. Os riscos de um partido comunista são reais também. Ainda nos faltam algumas coisas para evoluir e romper algumas ignorâncias.