O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que o ministro Celso de Mello divulgará até as 17h desta sexta-feira (22) a decisão sobre o sigilo da gravação da reunião ministerial, ocorrida em 22 de abril, apontada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal.
A defesa de Moro pede que a íntegra do vídeo seja divulgada e componha o inquérito. Já a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendem apenas a liberação de alguns trechos da gravação.
De acordo com Moro, ele teria sido ameaçado por Bolsonaro durante a reunião. O presidente teria dito que, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral da corporação e o próprio ministro.
Bolsonaro nega tenha fala sobre a PF durante o encontro. Na quinta-feira (21), o presidente afirmou que a divulgação das imagens mostrará que não há "nenhum indício" de que tenha se referido à corporação durante a reunião.
Também na quinta, o ministro Celso de Mello encaminhou à PGR três notícias-crime apresentadas por partidos e parlamentares no âmbito da investigação. De acordo com o portal G1, entre as medidas solicitadas estão o depoimento do chefe do Executivo e a busca e apreensão do celular dele e o do filho Carlos Bolsonaro, para serem periciados.
Entenda o caso
Acusação de interferência
Na manhã do dia 24 de abril, Sergio Moro anunciou sua saída do governo Bolsonaro. A gota d'água teria sido a exoneração do delegado Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da PF, função de confiança do chefe da pasta.
Ao deixar o ministério, o ex-juiz acusou o presidente de tentar interferir na Polícia Federal. Também afirmou que o chefe do Executivo nacional tinha "preocupação com inquéritos" na entidade.
— O presidente tinha preocupação com inquéritos em curso na PF e (sinalizou) que a troca (de Valeixo) seria oportuna por esse motivo — disse.
A resposta do presidente e inquérito aberto
Em resposta às acusações de Moro, Bolsonaro também fez pronunciamento. Durante sua fala, afirmou que o governo "continua" e que o ex-ministro queria vê-lo fora da Presidência. Também disse que o ex-juiz pediu a ele que a troca do diretor-geral da PF fosse feita em novembro — quando o presidente poderia indicá-lo para a vaga de Celso de Mello no STF.
Enquanto acontecia o pronunciamento do presidente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu um inquérito à Suprema Corte para apurar os fatos narrados e as declarações feitas pelo então ministro da Justiça.
Troca de mensagens
No mesmo dia em que pediu exoneração, Moro enviou à equipe do Jornal Nacional, da Globo, imagens de mensagens que teria trocado com Bolsonaro. Em uma delas, o presidente enviou uma matéria do site O Antagonista, intitulada "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Em seguida, teria dito que este era "mais um motivo para a troca", o que seria referência à troca do diretor-geral, Maurício Valeixo.
O ex-juiz também mostrou conversa com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), no qual ela solicita a Moro que aceite o então diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, para substituir Valeixo. Em seguida, a parlamentar prossegue: "E vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer". O ex-ministro, então, teria respondido: "Prezada, não estou a venda".
Inquérito aberto no Supremo
O ministro Celso de Mello determinou na noite do dia 27 de abril a abertura de inquérito para investigar as declarações do ex-ministro, acatando ao pedido da PGR.
O pedido aponta a eventual ocorrência, em tese, dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Depoimento de Moro
Em 2 de maio, em depoimento, o ex-ministro afirmou que o chefe do Executivo nacional declarou a ele que queria "apenas" a superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro — o primeiro ato do novo diretor-geral, Rolando Alexandre de Souza, nomeado no dia 4, foi justamente trocar esse cargo. Contudo, a pressão mais explícita que teria sofrido foi, de acordo com Moro, em 22 de abril, durante reunião ministerial no Palácio do Planalto. Na ocasião, Bolsonaro teria exigido também o acesso a relatórios de inteligência e informação.
O ex-juiz informou que a reunião foi gravada. Sendo assim, Celso de Mello determinou que a Presidência entregasse o material em 72 horas.
A AGU recorreu, primeiramente solicitando que o vídeo não fosse entregue. No dia seguinte, pediu que apenas parte da gravação fosse divulgada. Com o prazo se esgotando, o governo entregou o material , enquanto o ministro da Corte aguardava manifestação do procurador-geral da República sobre a publicidade do vídeo.
O vídeo da reunião
O vídeo da reunião foi exibido pela primeira vez em 12 de maio, sob sigilo temporário para o público. No mesmo dia, o presidente disse que nunca esteve preocupado com a Polícia Federal, e que a instituição "nunca investigou ninguém" da sua família.
— Não existe no vídeo a palavra Polícia Federal, nem superintendência. Não existem essas palavras — afirmou.
Antes de tornar-se público o conteúdo da reunião, os ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, afirmaram que Bolsonaro mencionou o nome da PF ao cobrar relatórios de inteligência na reunião, contrastando com a versão do presidente. Um dia após as declarações, o chefe do Executivo nacional afirmou que Ramos "se equivocou" ao dizer que houve menção à PF.
Ainda sobre o depoimento daqueles que participaram da reunião, o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, disse não ter ouvido o presidente afirmar em sua presença a eventual troca do superintendente da PF no Rio de Janeiro durante a reunião ministerial.
Transcrição da fala de Bolsonaro
No dia 14 de maio, a AGU entregou transcrição do encontro do presidente com os ministros. Disse o presidente:
“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da... da... porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois... depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele. Já era. É informação assim. (referência a nações amigas) Então essa é a preocupação que temos que ter: a questão estratégia. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso ... todos... é uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade (...)”
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira".