Rompido com o presidente Jair Bolsonaro desde que foi demitido bruscamente de um dos cargos mais prestigiados do Planalto, o de ministro da Secretaria de Governo, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz cada vez mais critica o que considera "belicosidade" alimentada pelo círculo em torno do presidente. Repetiu a crítica em entrevista a GaúchaZH, durante visita a Porto Alegre, esta semana.
Gaúcho de Rio Grande, Santos Cruz comandou duas Missões de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU), no Haiti e no Congo. Na África, foi chefe da maior missão militar da história da ONU, com cerca de 25 mil militares de 10 países.
O desempenho, no qual adotou postura bélica de imposição de regras de paz, rendeu tamanha admiração que ele já retornou duas vezes ao território congolês, em nome da ONU, para supervisionar os esforços. Também ministra aulas para outros generais que vão chefiar tropas de paz.
É por acreditar que um líder deve elogiar mais em público e criticar no privado que sua distância em relação aos posicionamentos de Bolsonaro cada dia aumenta mais. Em 20 minutos de conversa com os repórteres Daniel Scola, Carolina Bahia e Humberto Trezzi, falou de governabilidade, política e rumos do país.
É preciso também deixar claro que os militares não são os únicos bons servidores do país.
Veja os principais pontos abordados:
Militares e o governo
Uma coisa que tem de ficar bem clara para a população é que não existe essa vinculação institucional. As instituições militares não são ligadas à rotina do governo. É preciso também deixar claro que os militares não são os únicos bons servidores do país. No caso da força-tarefa do INSS, por exemplo, melhor chamar ex-servidores civis para atuar.
Disputa política permanente
É perfeitamente compreensível que em véspera de eleição se tenha disputa política mais intensa, mas você não pode viver permanentemente como se fosse disputar eleição semana que vem. A população gosta de votar e renovar suas lideranças, de quatro em quatro anos, mas não quer todo o dia isso aí. O que precisa no cotidiano é tranquilidade, equilíbrio para o desenvolvimento do país. Isso de manter o clima de ebulição permanente atrapalha não só o desenvolvimento nacional como também o governo. A agitação gera quase que uma instabilidade. Não é desejado pela sociedade. A grande massa quer tranquilidade. Muita gente já está cansada disso, só quer paz. Os parlamentares e o governo têm de perceber quando isso satura.
Missão de paz ou governo?
É difícil fazer comparação. Na África vi situação de conflito muito intenso, muita gente morre toda hora. Aqui a dificuldade é política. O importante é não viver uma guerra com seu oponente, num país pacífico como o Brasil. No ambiente social não pode ter ideia binária, de dois lados, preto e branco, Gre-Nal.
Isso de manter o clima de ebulição permanente atrapalha não só o desenvolvimento nacional como também o governo.
Voltar para o governo
Não, de jeito nenhum. Nem que dissessem que erraram. Eu tive oportunidade. Não existe alguém insubstituível. Não tenho pretensão de ser único. Nem teria sentido aceitar um convite desses novamente.
Sem arrependimento
Não me arrependo, de jeito nenhum. Foi uma boa experiência. Conheci bastante da parte interna do governo e do trabalho dos servidores. Faço aqui um elogio: se alguma coisa está errada no país não é por causa dos servidores públicos. Nem dos políticos: existem políticos muito bons. Não faz sentido criminalizar a política. Acho que é fácil fazer política. É só ter padrões bem conhecidos. Tem de estabelecer quais são os limites da negociação. Se for claro, negociam dentro da ética.
Papel da imprensa
Ela tem de ser totalmente livre. Ela mesma acaba se regulando. Pode ter um veículo ou outro mais sistemático no apoio ou na oposição. Mas existem milhares deles. A imprensa, nisso, vai se equilibrando. No conjunto, tem de ser valorizada, mesmo que individualmente alguns cometam erros. Não pode é caracterizar como um componente nocivo.
Comunicação do governo
Quem determina é a Secretaria de Comunicação. Minha ideia, quando estava lá, era que fosse informativa, não mercadológica nem ideológica. Não pode ser usada para projeto de poder. Dá para fazer isso com qualidade, sem conflito com a mídia. Não percebi resistência expressa quando estava lá, mas claro que você nunca sabe, num governo, até onde você atrapalha algum projeto de alguém. Mas, no atual governo, o que domina mais é a característica pessoal do presidente. Ele gosta de usar a mídia social. É o estilo dele. Faz sombra em toda composição de comunicação do governo.
Pensamento binário
Se voltássemos duas eleições, veríamos uma eleição clássica, a da Dilma: baseada em marqueteiros e mídia tradicional. Quatro anos depois foi a eleição das mídias sociais, do WhatsApp. Esses grupos de pressão, que usam Whats, têm influência dentro do governo. Só que você tem uma possibilidade de expandir o seu radicalismo, que se baseia numa simplificação muito grande. Pensamento binário, amigo ou inimigo. E isso não é bom. A sociedade tem um espectro muito maior de posições. Isso traz prejuízo.