BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) manteve nesta quarta-feira (25) o tom adotado em seu pronunciamento da véspera sobre a crise do novo coronavírus, criticou medidas tomadas por governadores para a restrição de movimentação de pessoas e defendeu o isolamento apenas para aqueles do chamado grupo de risco, como idosos e portadores de comorbidades.
"Vou conversar com ele [Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde] e tomar a decisão. Cara, você tem que isolar quem você pode. Você quer que eu faça o quê? Eu tenho o poder de pegar cada idoso e levar para um lugar? É a família dele que tem que cuidar dele no primeiro lugar", afirmou Bolsonaro, em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência.
"O povo tem que parar de deixar tudo nas costas do poder público. Aqui não é uma ditadura, é uma democracia", declarou. "Os responsáveis pela minha mãe de 92 são seus meia-dúzia [de] filhos
", complementou Bolsonaro.
O presidente afirmou que quer que seja adotado o que chamou de "isolamento vertical" no Brasil, que atingiria apenas idosos e pessoas com doenças prévias.
Ele disse que governadores, principalmente os de São Paulo, João Doria (PSDB), e Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), têm adotado um "isolamento horizontal", que abarca toda a população. "O mal que teremos com o isolamento horizontal será muito maior do que o mal que teremos com o vírus."
Em pronunciamento na noite desta terça-feira (24), Bolsonaro criticou o fechamento de escolas e do comércio, contrariou orientações dos órgãos de saúde e atacou governadores.
As declarações imediatamente provocaram repúdio de congressistas, governadores, no Judiciário e em diferentes setores da sociedade.
Em sua fala, Bolsonaro questionou procedimentos que têm sido adotados por todo o mundo, como o fechamento de escolas, e minimizou riscos da doença, como ao sugerir que as medidas de controle se restrinjam apenas aos mais velhos, além de contrariar órgãos de saúde e distorcer o cenário da pandemia.
O número de mortes por causa da Covid-19 subiu para 46 nesta terça-feira (24), segundo o Ministério da Saúde. É o maior salto em um único dia: 12. O primeiro óbito foi registrado no dia 17 deste mês. O país já soma, desde o início da crise do coronavírus, 2.201 confirmações da nova doença.
Em todo o mundo, até agora, são quase 440 mil casos e 20 mil mortes pelo novo coronavírus.
Parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reagiram nesta terça-feira (24) com perplexidade e irritação ao pronunciamento em que o presidente criticou o fechamento de escolas, atacou governadores e culpou a imprensa pela crise provocada pelo coronavírus no Brasil.
Na entrevista desta quarta-feira, o presidente voltou a falar que as ações de governadores prejudicam a economia e podem criar um ambiente de caos no país, o que, segundo ele, pode gerar saques a supermercados e instabilidade democrática. Ele citou a esquerda e deu os protestos do Chile como exemplo.
"O que precisa ser feito? Botar esse povo para trabalhar, preservar os idosos, preservar aqueles que têm problema de saúde. Mais nada além disso. Caso contrário o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil", declarou. "Se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês [imprensa] tanto defendem".
Ao ser questionado sobre o tema, o presidente disse que o risco de um rompimento democrático viria da esquerda, que segundo ele pode se aproveitar da situação. "Não é da minha parte não, fique tranquilo". Bolsonaro afirmou ainda que, se a economia colapsar, não haverá recursos para o pagamento de servidores públicos. "O caos está aí, na nossa cara".
Os termos usados pelo presidente para se referir a governadores e prefeitos que têm investido na restrição de movimentação como o fechamento de comércio e divisas estaduais foram duros.
Ele declarou que "alguns poucos governadores e prefeitos" estão cometendo "um crime", "arrebentando com o Brasil e destruindo empregos".
Para Bolsonaro, Doria e Witzel fazem "demagogia barata" para se colocarem como "salvadores da pátria" e "esconder problemas". Ele arremeteu e disse que, depois, não adianta os líderes estaduais pedirem GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ao governo federal para conter problemas em seus territórios.
"Eu queria que ele [o coronavírus] não matasse ninguém, mas outros vírus mataram mais do que esse e não teve essa comoção toda", declarou o presidente.
Bolsonaro disse ainda que seu apelo para que o país volte à normalidade está alinhado à estratégia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O americano defendeu recentemente o fim das medidas de isolamento em seu país até a Páscoa.
Por último, o mandatário brasileiro foi questionado sobre as críticas que recebeu por seu pronunciamento da terça-feira. Elas vieram de especialistas em saúde pública, governadores e de membros do Congresso Nacional, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM). "Fui criticado por quem? Por quem nunca fez nada pelo Brasil? Estou muito feliz com a crítica", disparou o presidente.
Ele disse ainda que pretende conversar nesta quarta com Alcolumbre, que foi diagnosticado com o Covid-19. "Vou ligar para o Davi hoje. Se bem que ele está confinado aí, está com um problema, né?"
A radicalização do discurso adotada no pronunciamento foi uma sugestão do grupo ideológico do Palácio do Planalto, formado pelo chamado "gabinete do ódio".
A estratégia, segundo assessores presidenciais, é a de tentar polarizar o debate no esforço de municiar o eleitorado bolsonarista a voltar a sair em defesa do governo.
Entre as pessoas com quem Bolsonaro se reuniu nesta terça antes de gravar o pronunciamento está o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um de seus filhos e o principal defensor de que o presidente mantenha um discurso mais ideológico e anti-imprensa. Carlos tem forte influência no gabinete do ódio.
Nesta quarta-feira, o presidente disse que ele mesmo redigiu o texto que foi lido na TV. "Eu fiz sozinho. Vocês [imprensa] inventaram que o gabinete do ódio fez o discurso. Eu fiz, eu sou o responsável pelos meus atos"
.
Nos últimos dias, segundo relatos feitos à reportagem, o núcleo digital da Presidência da República constatou uma desmobilização de perfis de direita nas redes sociais, que passaram a defender menos o presidente de ataques da esquerda.
A avaliação é a de que, diante do clima de animosidade, era hora de orientar a militância digital apontando inimigos, no caso os veículos de imprensa e os governos estaduais, mobilizando os eleitores fiéis a responderem às críticas contra a gestão federal.
Além disso, ao criticar o desaquecimento da atividade econômica, o presidente, segundo deputados aliados, tentou criar uma vacina: a de que um eventual aumento do desemprego no futuro não é responsabilidade sua, mas dos governos estaduais que adotaram medidas de contenção.
A estratégia adotada pelo presidente, no entanto, não é consenso no governo. O texto foi feito sem a participação de seus ministros.
Antes da gravação do discurso, de acordo com auxiliares palacianos, alguns integrantes do núcleo militar, cientes de que ele pretendia radicalizar o tom, tentaram dissuadir Bolsonaro.
Para eles, aumentar o clima de conflagração pode ter o resultado oposto ao pretendido: o de fortalecer o discurso dos governos estaduais e o de levar eleitores do presidente a abrirem mão do apoio.
Desde o início da semana, a cúpula militar vinha tentando moderar o discurso do presidente. Foram eles, por exemplo, que convenceram Bolsonaro a promover videoconferências com governadores em busca de um consenso nacional.
Nesta quarta, Bolsonaro foi perguntado ainda sobre o fato de o HFA (Hospital das Forças Armadas) ter omitido dois nomes de pessoas que testaram positivo para o Covid-19.
O hospital, que realizou os exames de Bolsonaro, foi obrigado a fornecer lista ao governo do Distrito Federal por decisão judicial. "Você acha que tô escondendo alguma coisa", reagiu Bolsonaro ao questionamento. "Está na lei que os laudos são segredo".