Quase quatro anos depois, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) negou direito à indenização às duas partes envolvidas em um dos mais polêmicos casos de conduta médica no Estado. Em 2016, a pediatra Maria Dolores Bressan renunciou ao atendimento de um de seus pacientes por causa da militância política da mãe da criança, a ex-secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Ariane Leitão (PT). As duas recorreram à Justiça, trocando acusações mútuas e pedindo indenização por dano moral. Ninguém levou.
Em julgamento realizado em 31 de outubro, a 10ª Câmara Cível do TJ rejeitou as apelações da médica e da mãe. Por unanimidade, os três integrantes do colegiado mantiveram a sentença de primeira instância que, em dezembro de 2018, já havia negado as indenizações. De acordo com o voto do relator, o desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, "considerando a inexistência de provas que apontem para a prática de ato ilícito perpetrado por Ariane e por Maria Dolores, tenho que a ação indenizatória e a reconvenção não merecem êxito, devendo ser improvidos os apelos".
Ao analisar especificamente a conduta de Maria Dolores, o tribunal entendeu que o Código de Ética Médica confere ao profissional o direito de declinar do atendimento. Para Pestana, ela agiu com amparo na norma e cumpriu os requisitos de comunicar a decisão com antecedência e fornecer ao próximo médico todas as informações sobre o prontuário do paciente.
A polêmica veio à tona em março de 2016. Em mensagem enviada por meio do WhatsApp, a pediatra avisou Ariane que estava desmarcando uma consulta marcada para a semana seguinte com o filho da ativista, na época com um ano e um mês de idade. A renúncia aconteceu um dia após a divulgação de áudios entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 16 de março, na qual a petista avisava estar enviando ao amigo o termo de posse como ministro-chefe da Casa Civil. Na ocasião, o documento foi interpretado nos meios políticos e judiciais como tentativa de Lula blindar-se com o foro privilegiado contra eventual pedido de prisão.
No texto, Maria Dolores deixava explícitas as motivações políticas de sua decisão: "Tu e teu esposo fazem parte do Partido dos Trabalhadores (ele do Psol) e depois de todos os acontecimentos da semana e culminando com o de ontem, onde houve escárnio e deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem (representante maior do teu partido), eu estou sem a mínima condição de ser Pediatra do teu filho. Poderia inventar desculpas, te atender de mau humor, mas prefiro a HONESTIDADE que sempre pautou minha vida particular e pessoal".
Incomodada com a postura da médica, Ariane postou a mensagem em seu perfil do Facebook, sem citar o nome de Maria Dolores. A postagem se alastrou pelas redes sociais e a repercussão chegou à imprensa. Alegando ter sido tratada com discriminação por motivos ideológicos e obrigada a procurar atendimento de urgência em clínica particular para evitar agravamento dos sintomas da gripe e febre do filho, ela resolveu ajuizar ação por dano moral.
Maria Dolores reagiu e, no mesmo processo, também alegou prejuízos financeiros e psicológicos. A médica disser ter perdido pacientes e recebido ameaças de morte, além da perseguição imposta às filhas na escola. Também acusou Ariane de mentir ao dizer que o menino estava doente. Ambas pediam R$ 30 mil de indenização.
Ao cabo da discussão judicial, o relator descartou quase todas as alegações da Ariane e Dolores. Pestana disse que a consulta não era de urgência, pois estava marcada para 23 de março, foi desmarcada dia 17 e o atendimento em clínica particular só ocorreu dia 25, "sendo difícil crer que, se apresentasse um quadro grave de saúde, Ariane esperaria até esse dia para levar o filho ao médico". O desembargador também rechaçou as perdas financeiras da médica, uma vez que "após um primeiro momento de acirramento de ânimos, o movimento da clínica aumentou significativamente".
Contrapontos
O que diz Ariane Leitão
"Infelizmente, o Judiciário não quis avaliar o nosso pedido. Em 1ª e 2ª instância, a decisão foi de que o médico tem o direito de renunciar ao atendimento do paciente. Reconhecemos esse direito, é óbvio que pode ser feito. O que reclamamos foi a discriminação, por motivos ideológicos, com que fomos tratados, eu, meu filho e meu companheiro. Recebemos uma mensagem agressiva, atacando a mim, ao meu partido, aos líderes e à militância. Já estamos recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça e vamos até o Supremo Tribunal Federal se for necessário. Não foi feito justiça. Meu filho hoje tem cinco anos e nada aconteceu com essa médica."
O que diz Cláudia Peres, advogada de Maria Dolores Bressan
Mesmo com minha cliente tendo perdido o direito a indenização, foi feito justiça. Todos danos sofridos pela minha cliente com a repercussão do caso foram corrigidos com a sentença de 1ª instância e agora com o acórdão do tribunal. Houve reconhecimento de que não houve falha ética, mas sim o direito à renúncia ao tratamento _ e não recusa, como foi dito à época. A Maria Dolores não se recusou a atender o menino. O dano maior foi causado por essa grande diferença. E ficou provado também que a autora da ação divulgou informação equivocada, agiu de má-fé, ao dizer que o filho estava doente. Espero que com essa decisão do tribunal tudo isso tenha fim."