A maioria dos recursos que contestam decisões da Justiça criminal é julgada em menos de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse tempo é um dos argumentos que estão em jogo diante da decisão da Suprema Corte de reavaliar, em julgamento nesta quinta-feira (17), a prisão de condenados após decisão de segunda instância — bandeira da Lava-Jato que, dependendo da mudança, pode beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Defensores das prisões nesses casos — antes de serem esgotadas as possibilidades de recursos — avaliam que eventual alteração de entendimento pelo STF possa levar à impunidade diante da demora do Judiciário. O ritmo de julgamento nos tribunais superiores aparece em levantamento da reportagem feito com base em ações que já transitaram em julgado — ou seja, naquelas onde já não é mais possível recorrer da decisão e os processos foram encerrados.
Atualmente, a Corte entende que uma pessoa que foi condenada em segunda instância já pode começar a cumprir pena — ainda que, mais à frente, sua sentença possa ser alterada por um tribunal superior.
A reportagem analisou cerca de 38 mil recursos especiais no STJ e 2,5 mil recursos extraordinários no STF, todos eles na área de direito penal. Os casos levantados transitaram em julgado de 2009 a 2019, vindos de instâncias inferiores. Habeas corpus, agravos e embargos não foram incluídos no levantamento.
No STJ, 63% dos recursos levaram até um ano para transitar em julgado, a contar da data em que o caso chegou ao tribunal. No STF, isso aconteceu em 77% dos casos. Processos que levaram mais de três anos para serem finalizados são raros: equivalem a um em cada 10 dos analisados no STJ. No Supremo, eles não chegam a 5%.
Embora especialistas concordem que há sobrecarga nos tribunais superiores, no panorama geral são poucos os processos que chegam até eles — em uma estimativa, a cada mil casos julgados nas varas estaduais (primeira instância) em que cabe recurso, menos de 14 chegam ao STJ, e um vai ao Supremo.
Há mais de um motivo para isso. O primeiro é que os tribunais superiores têm filtros rigorosos para verificar se o recurso atende às regras estabelecidas em lei. Só são aceitos no STF, por exemplo, recursos em que seja comprovada a repercussão geral, ou seja, é preciso demonstrar que aquele processo tem relevância social, política, econômica ou jurídica que extrapola o interesse da causa em si.
Outro ponto é o acesso à Justiça. Custa caro recorrer, visto que é preciso arcar com as despesas com advogados. Mesmo as defensorias públicas têm pouca estrutura para atender à grande demanda de ações que recebem.
Atualmente, o STF tem um acumulado de cerca de 5 mil processos ligados ao direito penal (7% do total) aguardando julgamento. No STJ, são aproximadamente 43 mil (14% do acervo).
Em comparação, considerando apenas o ano de 2018, chegaram aos juízes de primeira instância 1,6 milhão de novos processos criminais. O número é de um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que também indica um déficit de juízes: para cada cinco postos, um está vago.
Quem tem recursos financeiros para arcar com bons advogados tem mais poder para recorrer às cortes superiores, e há, sim, casos que se desenrolam por anos, ainda que sejam a minoria.
Advogados consultados pela reportagem afirmam que há situações em que os tribunais demoram mais de um ano apenas para decidir se o recurso atende aos requisitos para que seja analisado.
Para o advogado criminalista João Daniel Rassi, sócio do escritório SiqueiraCastro, não é possível atribuir a morosidade do Judiciário aos tribunais superiores nem à possibilidade de interpor mais de um recurso em um processo. Segundo ele, faltam magistrados e estrutura para que a Justiça consiga atender à demanda.
— O ponto é o funcionamento da própria Justiça, é a melhora da estrutura do Judiciário para julgar os recursos que são interpostos. O Judiciário tem que ter tecnologia que desburocratize expedientes internos e que permita que os recursos sejam julgados com rapidez — afirmou.
Um dos argumentos levantados por quem defende a prisão após a condenação em segunda instância é que a demora do Judiciário leva à impunidade. Por lei, o Estado tem um prazo para punir alguém que cometeu uma irregularidade. Esse período varia de acordo com o crime.
No aguardo do julgamento definitivo, muitos crimes prescrevem, ou seja, a Justiça perde o prazo para punir o criminoso.
Doutora em direito penal e professora da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Heloisa Estellita afirma que o problema está na estrutura do Judiciário.
— A acusação tem prazo para atuar, a defesa também. Se perderem os prazos, perdem o direito de recorrer. Quem não tem prazo é o juiz. Se o problema é o percurso, temos que aparelhar o Poder Judiciário — diz.
Segundo um relatório parcial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — não inclui São Paulo e Rio Grande do Sul — 25% dos presos do país cumprem pena em execução provisória, já foram condenados, mas o processo ainda tramita. Isso equivale a cerca de 148 mil pessoas em um universo de 600 mil. Contudo não se sabe quantos já estavam presos preventivamente antes da condenação.
Nesses casos, uma mudança no entendimento do Supremo quanto à prisão após condenação em segunda instância não faria com que os presos deixassem a cadeia imediatamente. Seria preciso que a Justiça analisasse cada caso e decidisse se há justificativa legal para mantê-los em presídios (como risco à sociedade) ou se seriam postos em liberdade enquanto aguardam o fim do processo.
A demora maior em chegar à sentença se dá no primeiro grau. Isso é esperado: é no julgamento da primeira instância que serão ouvidas testemunhas, por exemplo, e isso demanda tempo.
Se a decisão inicial for contestada em tribunais superiores, a sentença será analisada e revisada, mas não é mais necessário refazer todas as etapas da chamada fase de conhecimento.
No STJ e no STF, vale ressaltar, não é possível reexaminar as provas. Não cabe aos ministros decidir se o réu cometeu ou não o crime: o que eles avaliarão é se a decisão que está sendo questionada violou uma lei federal (no caso do STJ) ou a Constituição (no caso do STF).
Em média, um processo criminal leva três anos e 10 meses para chegar à primeira sentença na Justiça estadual. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o mais lento do país, a média é de oito anos e dois meses.
A Justiça Federal é um pouco mais célere: são necessários, em média, dois anos e três meses, mas os magistrados do Tribunal de Justiça da 3ª Região (TRF-3) — que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul — levam cerca de cinco anos.
O trâmite mais lento é o dos processos envolvendo crimes dolosos contra a vida, como homicídio. Nesses casos, o tempo médio é de quatro anos e sete meses até a sentença em primeira instância. Nos processos em que o acusado foi considerado inocente, um a cada cinco demorou mais de oito anos. Em 14% das situações, o crime havia prescrito no momento em que o julgamento foi encerrado.