Transformada na maior celeuma jurídica do país nos últimos tempos, a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância já motivou bate-bocas no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e desrespeito dos ministros à jurisprudência fundada na Corte e agora faz o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desmentir seu próprio presidente.
Conforme nota oficial expedida nesta quarta-feira (16) pelo órgão de controle interno do Judiciário, são 4.895 presos que podem ser beneficiados por uma mudança de entendimento sobre a execução provisória das penas. No final do ano passado, o presidente do STF e do CNJ, Dias Toffoli, havia afirmado que 169 mil condenados poderiam ganhar liberdade se houvesse mudança nas regras.
A manifestação de Toffoli ocorreu na véspera do recesso judiciário, em resposta a uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello que havia determinado a soltura de todos os réus encarcerados após condenação em segunda instância. A repercussão do ato de Marco Aurélio foi imediata no universo jurídico e político, sobretudo porque permitia a saída da cadeia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No mesmo dia, Toffoli cassou a liminar do colega, alegando que evitava " grave lesão à ordem e à segurança pública", sobretudo porque a liminar poderia "ensejar a soltura de 169 mil presos no país'".
Na realidade, esse número, hoje atualizado para 190 mil pessoas, é o total de todos os presos já sentenciados cujas condenações ainda não transitaram em julgado no país. Desde o início da semana, quando Toffoli marcou o julgamento da constitucionalidade das prisões em segunda instância, a estatística voltou a figurar na imprensa. A nota emitida pelo CNJ esclarece a confusão. "É incorreto afirmar que (...) poderão ou deverão ser beneficiadas 190 mil pessoas hoje privadas de liberdade no país", diz o texto.
De acordo com o conselho, o número também inclui prisões cautelares que podem ser aplicadas em qualquer fase do processo, até mesmo antes de sentença de primeiro grau. Além disso, eventual mudança de jurisprudência tampouco deverá alcançar todos o 4.895 presos, já que o juiz de cada caso pode determinar a prisão cautelar de um apenado se considerá-lo perigoso. Isso deve ocorrer com condenados por homicídio e estupro, por exemplo.
A discussão em torno da prisão em segunda instância ressurgiu em fevereiro de 2016, quando por sete votos a quatro o STF negou liberdade a um ajudante-geral condenado por roubo. Ao sabor do movimento punitivista da Lava-Jato, os ministros deram nova roupagem ao princípio da presunção da inocência expresso na Constituição de 1988, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Embora o trecho jamais tenha sido alterado pelos legisladores, esse entendimento esteve vigente apenas entre 2009 e 2016, permitindo que o réu recorresse em liberdade até o julgamento do recurso derradeiro na quarta instância do Judiciário, o próprio STF. Antes disso, desde 1973 era permitida a prisão após condenação em segundo grau, uma jurisprudência ainda remanescente do regime militar. Ao retomar a possibilidade de execução provisória da pena em 2016, a maioria dos ministros sustentou que o Brasil tinha instâncias recursais em demasia, dando margem à impunidade. A partir da sessão plenário desta quinta-feira no STF, e com os métodos a Lava-Jato sob suspeição, começa um novo duelo de teses jurídicas.