O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot disse nesta quinta-feira (26) a veículos de imprensa que entrou uma vez no Supremo Tribunal Federal (STF) armado com uma pistola com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes, por causa de insinuações que ele teria feito sobre sua filha em 2017. Janot narra o episódio num livro de memórias que está lançando neste mês, sem nomear Gilmar.
Criminalistas ouvidos pela reportagem afirmam que planejar um homicídio nos termos descritos por Janot, mas sem tentá-lo ou cometê-lo, não é crime. O Código Penal e a jurisprudência dos tribunais não criminalizam a fase preparatória de um ilícito. Se Janot tivesse tentado atingir ou efetivamente ferido o ministro, aí sim poderia ser acusado.
— Não é crime porque ele se arrependeu antes de cometê-lo — afirmou o advogado criminalista Fábio Mariz de Oliveira. — A preparação de um crime não é passível de punição — explicou.
Ele explica que muitas pessoas já pensaram em matar o parceiro ou roubar algum alimento no supermercado, "mas nada disso é crime até que aconteça".
— Se ele tivesse sacado o revólver e ameaçado, ele poderia ser processado por tentativa de homicídio — disse.
O advogado citou um caso hipotético de policiais que descobriram os planos de um atentado por parte de membros da facção criminosa PCC.
— Ninguém será processado por isso, mas dá para impedir o acontecimento. A polícia poderia, por exemplo, transferir de presídio os suspeitos do plano — afirmou.
Gilmar descartou recorrer a alguma medida judicial por causa das declarações do desafeto.
"Não cogito isso. Tenho a impressão de que se trata de um problema grave de caráter psiquiátrico, mas isso não atinge apenas a mim, atinge a todas as medidas que ele pediu e foram deferidas no Supremo Tribunal Federal: denúncias, investigações e tudo o mais. É isso que tem que ser analisado pelo país."
Prevaricação sobre Temer e Aécio
Para advogados consultados pela reportagem, Janot cometeu crime de prevaricação ao se omitir sobre supostas solicitações ilegais recebidas por ele enquanto estava à frente da Procuradoria Geral da República (PGR). Previsto no Código Penal, o crime de prevaricação é quando o indivíduo "retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
No livro, o ex-procurador-geral afirma que o então vice-presidente Michel Temer (MDB) e o então senador Aécio Neves (PSDB-MG) pediram sua ajuda em ações sob sua responsabilidade. Segundo Janot, Temer o procurou em março de 2015 para pedir o arquivamento da primeira investigação aberta contra o correligionário e então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), atualmente preso no Rio de Janeiro.
Já sobre Aécio, o ex-procurador-geral disse que, em 2017, o tucano lhe ofereceu cargos na tentativa de evitar a abertura de investigações sobre suas relações com a empreiteira Odebrecht. De acordo com Janot, Aécio pensava em se candidatar à Presidência da República nas eleições de 2018 e lhe ofereceu o Ministério da Justiça e a vaga de vice da chapa.
Para o advogado constitucionalista Marcellus Ferreira Pinto, Janot cometeu crime de prevaricação porque "deixou de agir" diante dos supostos pedidos, considerados "corrupção ativa contra a administração pública".
Janot teria incorrido em crime porque uma das funções do procurador-geral é justamente apresentar denúncia contra autoridades com foro especial, como ministros e parlamentares.
— O mero oferecimento de uma vantagem, ainda que não seja aceita ou entregue, configura crime de corrupção — afirma o jurista.
Segundo o constitucionalista, caberia ao STF julgá-lo pelo crime caso a prevaricação tivesse sido revelada durante seu tempo à frente da PGR. Mas se Janot fosse denunciado hoje, a ação tramitaria na Justiça comum, uma vez que ele já se aposentou.
— Como a vítima é a União, é competência de um procurador da República apresentar a denúncia à Justiça Federal de primeira instância — afirma Ferreira Pinto.
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, a prevaricação configuraria crime de responsabilidade, que poderia terminar em um impeachment caso a omissão de Janot fosse revelada com ele ainda no posto.
— Ele poderia perder o cargo e ter os direitos políticos suspensos — avaliou.