O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu nesta segunda-feira (24) a medida provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro que devolveu a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura depois de o Congresso ter barrado tal iniciativa.
Com isso, a demarcação volta a ser responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A decisão é em caráter liminar (provisória) e ainda precisa ser analisada pelo Supremo.
A decisão foi no âmbito de três ações ajuizadas no STF, pela Rede Sustentabilidade, pelo PT e pelo PDT. A liminar deverá ser julgada pelo plenário do Supremo, composto pelos 11 ministros, que poderão referendá-la ou não. Ainda não há, porém, data marcada.
Em nota, a Advocacia-Geral da União disse aguardar essa apreciação "com urgência". O titular do órgão, André Mendonça, afirmou defender que as ações "tenham prioridade na pauta de julgamentos da corte".
As ações questionam a constitucionalidade da MP 886 sob o argumento de que o governo não pode reeditar MP com o mesmo teor de outra que foi rejeitada pelo Congresso durante a mesma legislatura.
Segundo as legendas, entre outros pontos, a nova MP violou o princípio da separação dos Poderes ao tentar burlar a deliberação do Legislativo e deixou de observar o direito dos povos indígenas, uma vez que o Ministério da Agricultura defende interesses conflitantes com os dos índios.
"A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria é pacífica, reconhecendo a impossibilidade de tal reedição", escreveu Barroso.
Na quinta (20), Bolsonaro disse que assumia o bônus e ônus sobre o processo de demarcação de terras indígenas no país.
— Quem demarca terra indígena sou eu! Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras. Eu sou um presidente que assume ônus e bônus — afirmou.
Na sua decisão desta segunda sobre a atribuição para demarcar terras indígenas, Barroso disse que o artigo 62, parágrafo 10, da Constituição de 1988 "veda expressamente a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo".
"O debate, quanto ao ponto, não pode ser reaberto por nova medida provisória. A se admitir tal situação, não se chegaria jamais a uma decisão definitiva e haveria clara situação de violação ao princípio da separação dos Poderes", afirmou.
A ação foi distribuída para a relatoria de Barroso por prevenção, porque, na ocasião da primeira MP, o Supremo já havia sido acionado e o ministro foi sorteado para ser o relator das ações sobre o assunto.
Naquela ocasião, Barroso negou pedido de liminar para suspender o texto por considerar que a reestruturação de órgãos da Presidência da República inseria-se na competência discricionária do chefe do Executivo.
No entanto, com a posterior decisão do Parlamento sobre a questão, o ministro entendeu que agora passou a caber uma decisão liminar para suspender a MP contestada.
O decreto
Publicada no Diário Oficial da União de quarta (19), a MP 886 estabeleceu que constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura a reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal, as terras indígenas e as terras quilombolas.
O texto afirma ainda que tais competências incluem "a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas".
Até o final do ano passado, 112 terras indígenas aguardavam estudos na Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo de demarcação e outras 42 já haviam sido identificadas e delimitadas, aguardando apenas a decisão do governo para sua demarcação, ou do Ministério da Justiça ou do Planalto. Indígenas reivindicam outras cerca de 500 terras como de ocupação tradicional.
Na primeira medida provisória que editou no seu governo e que reestruturou a administração pública federal, em janeiro, a de número 870, Bolsonaro havia retirado a demarcação de terras indígenas da alçada da Funai e enviado para a pasta da Agricultura.
Foi a primeira vez na história moderna da política indigenista, desde a criação do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, antecessor da Funai, que o serviço de demarcação foi retirado do órgão indigenista.