Por Daniel de Mendonça
Doutor em Ciência Política, professor associado da UFPel
"Populismo" é um dos termos mais malditos e mal compreendidos do vocabulário político. Maldito, pois está frequentemente associado à demagogia, ao engano dos reais interesses do povo. Mal compreendido, uma vez que sua história conceitual, principalmente no século 20, tem sido uma sucessão de formulações que, em sua maioria, foram incapazes de fornecer uma compreensão mais abrangente ao termo. O populismo e seus impasses com a democracia serão debatidos, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), entre segunda (27/5) e quarta-feira (29/5), no III Simpósio Pós-Estruturalismo e Teoria Social: Populismos e Democracias.
Análises mais recentes têm, felizmente, avançado no entendimento do fenômeno. Diferentemente dos primeiros estudos que buscaram, de forma infrutífera, elencar características específicas do populismo, novas pesquisas encontraram o seu núcleo duro. Esse núcleo pode ser resumido na asserção de que o populismo consiste na construção política e antagônica de um povo contra seus inimigos. Dito de outra forma, o populismo surge como uma resposta antissistêmica a um regime político, mobilizando parte da sociedade, o povo, contra uma elite que nega o atendimento de suas demandas.
Com o revigoramento dos estudos, a partir da década de 1990, percebe-se que o fenômeno – antes associado a regimes não democráticos ou a democracias emergentes – tem ocorrência também em democracias consolidadas. Recentemente, a Europa continental tem conhecido diversas experiências populistas, como na França, Áustria, Suécia, entre outros países. No entanto, é a partir do Brexit e da eleição de Donald Trump que se acende a “luz amarela” sobre o perigo do populismo em relação às democracias maduras. O ponto central desses estudos está relacionado à seguinte questão: será o populismo um perigo à democracia ou uma possibilidade de seu avanço?
Essa é uma pergunta de difícil resposta, uma vez que experiências apontam que o populismo pode ser perigoso, mas também pode impulsionar a democracia. Isso é assim, pois se, por um lado, os populistas forçam os limites das instituições, ameaçando estruturas de poder, por outro, mobilizam politicamente os cidadãos, dando voz às “maiorias silenciosas”, tornando a política mais vibrante.
O ponto central na tensão entre populismo e democracia liberal está no fato de que o primeiro mobiliza politicamente indivíduos normalmente apáticos. As democracias são cada vez menos responsivas e mais distantes dos cidadãos. As elites políticas, associadas às econômicas, são insensíveis às demandas populares. As regras e o funcionamento das instituições são complicados e inacessíveis ao cidadão comum. Em contraposição, os populistas prometem descomplicar a vida das pessoas, dar respostas simples ao cidadão e, acima de tudo, fazer a sua vontade. Numa palavra: os populistas reivindicam-se os verdadeiros intérpretes do povo.
O populismo não é em si bom ou ruim à democracia. Talvez seja preferível considerá-lo um sintoma de sua saúde.
Contudo, é importante compreender o que significa a reivindicação de serem os populistas representantes do povo. É nesse momento que o conceito acima mostra a sua utilidade. Na ideia de que o populismo é uma construção política, “construção” é o termo-chave. Quer dizer que, no populismo, o povo não deve ser percebido como o conjunto de todos os cidadãos. Antes, o povo é uma construção política: uma parte desses cidadãos que, mobilizada, reivindica para si o papel de representar toda a sociedade.
Vejamos que tal representação nunca é neutra, mas ideologicamente informada. Assim, as experiências populistas podem ser de esquerda ou de direita, inclusivas ou excludentes. Nesse sentido, o povo pode representar um amplo espectro da sociedade, a partir da mobilização dos mais pobres, mas também pode ser uma classe média ressentida com a perda de privilégios e que, por isso, articula a exclusão dos responsáveis por essa perda.
Portanto, o populismo não é em si bom ou ruim à democracia. Talvez seja preferível considerá-lo um sintoma de sua saúde. Dificilmente ele aparece quando a democracia é responsiva ao povo. Quando ela está saudável, populistas são postos à margem. Porém, o estado atual das democracias existentes sugere que o sintoma está longe de desaparecer.
O evento
III Simpósio Pós-Estruturalismo e Teoria Social: Populismos e Democracias
Entre segunda e quarta-feira, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Com apresentações de pesquisas acadêmicas, grupos de trabalho, mesas-redondas com professores brasileiros e uma conferência com Gerardo Aboy Carlés, da Universidad Nacional San Martín (Argentina).
Outras informações em wp.ufpel.edu.br/legadolaclau/pt/.