O presidente Jair Bolsonaro começou o governo sem um projeto claro e está pensando em como executar suas ideias "já com o avião voando". Essa é a avaliação do apresentador Luciano Huck, que participou na sexta-feira (5), nos Estados Unidos (EUA), de uma conferência para debater os rumos e os principais problemas do Brasil.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Huck afirmou que o governo não pode deixar a ideologia se sobrepor em áreas prioritárias, como educação, mas ponderou que Bolsonaro ainda merece um crédito por ter sido eleito legitimamente.
— Se Bolsonaro tiver a sensatez e o bom senso de corrigir os prumos do governo quando tiver errado, acho que todo mundo sai ganhando — afirmou o apresentador.
A atuação do Ministério da Educação (MEC) do governo Bolsonaro e a escolha do novo titular da pasta, confirmada nesta segunda (8), são alvo de críticas de Huck.
— O presidente entendeu e mexeu, mas me parece que a ideologia tenha se sobreposto à pauta. A elaboração de uma lista de bons nomes para o MEC é de fácil consenso. E, de novo, temos um nome de não consenso — afirmou, em referência à saída de Ricardo Vélez Rodríguez e a nomeação de Abraham Weintraub.
Cotado como candidato a presidente da República em 2018, Huck não descarta concorrer ao cargo em 2022, mas diz que seu papel, hoje, é de diálogo e construção de projetos que não sejam personalistas.
No segundo turno da eleição, o senhor disse que não se sentia representado por Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad. Isso mudou?
Essa resposta seria importante num ciclo eleitoral, que foi o que a gente viveu. Esse cenário não existe mais. A gente tem um presidente eleito de forma democrática e legítima, por ampla maioria, num momento em que o país precisa de reformas estruturais. Não é hora de discutir ideologias ou voto, mas, sim propostas, projetos e como eles vão ser executados.
Qual é o balanço que o senhor faz dos cem primeiros dias de governo?
É muito difícil começar qualquer governo quando você não tem um projeto claro e como vai executá-lo.
Bolsonaro não tem?
Bolsonaro tem ideias, ideologia e crenças que, inclusive, o levaram à Presidência. Só que também está claro que o que fazer e como executar as ideias eles estão modulando, lapidando e pensando em como fazer já com o avião voando. Há setores em que você enxerga clareza de ideias, mas a capacidade de execução a gente vai ver agora. Quando você vê o Ministério da Economia e o que ele está querendo fazer, tem muita consistência. Na minha opinião pessoal, são reformas necessárias. No Ministério da Justiça, o plano do Sergio Moro é de alguém que sabe o que está fazendo também. Ele tem noção muito clara do que tem que ser feito, mas vai ter dificuldade de implementar por uma questão de conseguir montar um grupo técnico que o ajude politicamente a viabilizar (as propostas).
O senhor fez críticas ao então ministro da Educação, Ricardo Vélez, durante sua palestra nos EUA. O que achou de sua demissão e da indicação de Abraham Weintraub para comandar o MEC?
Educação é um assunto prioritário e você não tem que reinventar a roda. O MEC não é espaço para polemizar. Até aqui foi um erro nestes cem primeiros dias. O presidente entendeu e mexeu, mas me parece que a ideologia tenha se sobreposto à pauta. A elaboração de uma lista de bons nomes para o MEC é de fácil consenso. E, de novo, temos um nome de não consenso. Temos que dar um voto de confiança ao novo ministro, mas me preocupa a falta de experiência em gestão pública, em educação básica, e a militância ideológica. Se a emenda sair pior que o soneto, todos saem perdendo.
O presidente defende a nova política em combate à velha política, mas não consegue formar uma base aliada para aprovar suas principais medidas no Congresso. A nova política deu errado?
De maneira nenhuma. Minha dúvida é se a gente está vivendo um ciclo da nova política, o início da nova política ou o fim da velha política.
O fim de uma não está relacionado ao começo da outra?
Não sei. Bolsonaro é político há 27 anos, não é um outsider, sempre foi político. Ele está tentando criar novas maneiras de se relacionar com o Congresso. Num primeiro momento, via bancadas temáticas, não funcionou, e agora vai tentar outros formatos. Se você considerar as faíscas que saíram em relação aos poderes, eles (o governo) tiveram bom senso e sabedoria de ver que não estava indo bem e tentaram chamar todo mundo para conversar. O que precisa se restabelecer no Brasil é o diálogo, desde o grupo de WhatsApp da família até a relação entre os poderes.
O senhor acha que é possível pacificar a relação entre Planalto e Congresso?
Eu espero. A gente não está num momento eleitoral. Todo mundo sabe o que é certo e o que é errado. Os partidos de esquerda sabem que a reforma da Previdência é necessária, porque senão quebra (o país). Me incomoda esse enfrentamento contínuo, que não contribui em nada para a gente restabelecer o diálogo.
A esquerda se dividiu durante a eleição e ainda não encontrou discurso único para se opor a Bolsonaro. O que o senhor espera da oposição?
Estou na rua, sei como as pessoas vivem. A gente tem que ter no Brasil um projeto que seja consistente quando você for falar de redução de desigualdades. Acho que a gente tem que dialogar, não consigo pensar em esquerda e direita, para mim o que vale são as melhores ideias.
O senhor tinha falado em ser uma "resistência positiva" após desistir de se candidatar à Presidência. O que isso significa?
Tem pautas importantes das quais esse governo está tratando e erros que precisam ser corrigidos. Esse governo ainda tem que ter crédito porque foi eleito pela ampla maioria. Cabe agora entregar as coisas que prometeu em campanha.
O governo tem sido palco de polêmicas como a discussão sobre o nazismo ser de esquerda ou direita e 1964 ter sido ou não um golpe militar. Como vê esse debate?
Não vou entrar nessa discussão ideológica. Parece piada. Existem fatos históricos que são indiscutíveis e, quando a ideologia se sobrepõe à história, é muito perigoso.
E o crédito do governo deve estar em qual área?
Combate à corrupção, ao crime organizado e nas reformas estruturantes. A questão ideológica não pode tirar a proa do caminho desses pontos. Você só desiste de coisas que se propôs a fazer. Em momento nenhum me coloquei como candidato. Tenho 47 anos, há 25 fazendo televisão, gosto muito do que faço, da onde trabalho, do meu dia a dia. Ao mesmo tempo, sou uma pessoa curiosa, gosto de ouvir, estudar, ler e, se vejo um problema, me sinto parte dele. E nós temos um problema: um país extremamente desigual, com uma elite que, muitas vezes, acha que não faz parte da solução. As elites têm que assumir sua parte e a responsabilidade na solução social. Nossa elite parece não se importar. Precisamos correr riscos. A convocação neste momento não é política, é geracional para atrair as melhores ideias e cabeças para repensar o Estado.
O senhor tentou fazer isso no ano passado, mas pareceu estar em cima da eleição, agora tem quatro anos...
A gente não pode falar em ciclos eleitorais, tem que falar em ciclo geracional.
O que falta para o senhor decidir ser candidato a presidente?
Isso é tudo o que não preciso. A sociedade precisa produzir ideias e projetos viáveis para o Brasil e não podem ser ideias personalistas. Por isso que gosto dos movimentos cívicos e é lá que vou ficar. Eles têm a credencial para propor ideias e como executá-las em nomes de grupos e não de pessoas.
Mas vivemos no presidencialismo, que elege uma pessoa para representar a todos. Essa pessoa não poderia ser o senhor?
Acho que nesse momento colocar isso em discussão é simplificar uma conversa muito mais complexa, de como contribuir. Como sociedade civil, cabe à gente propor ideias e pautas que tentem contribuir. Vamos fazer um esforço para que (o governo) dê certo, agora depende da capacidade de execução deles.