Após o Itamaraty explicar que a demissão do diplomata Paulo Roberto de Almeida da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) já estava programada, Olavo de Carvalho contradisse o governo.
Ideólogo próximo do presidente Jair Bolsonaro, Carvalho afirmou, nesta terça-feira (5), que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, lhe garantiu que a demissão do diplomata aconteceu porque ele “passou dos limites”, sem especificar a que se referia, segundo informações do jornal O Globo. A demissão se tornou pública na segunda-feira de Carnaval (4).
Almeida, que se define como liberal, mantém um blog e páginas em redes sociais, onde já postou textos críticos ao ministro. Horas antes de ser retirado do cargo, republicou na internet dois artigos criticando a diplomacia brasileira no tema da crise na Venezuela. Um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo ex-ministro Rubens Ricupero, e também texto do próprio chanceler, que rebatia e criticava ambos.
A assessoria do Itamaraty declarou que a troca no comando do órgão já tinha sido acertada anteriormente e não teve qualquer ligação com as publicações no blog. “A troca da presidência do Ipri, no contexto da troca da grande maioria das chefias do Ministério de Relações Exteriores (MRE), já estava decidida e foi comunicada ao atual titular”, afirmou a Pasta em nota.
Mensagens supostamente escritas pelo chanceler e postadas por Olavo, no entanto, apontam que a demissão esteve relacionada às atividades virtuais de Almeida.
“A decisão foi inteiramente minha. Sinto muito que algumas pessoas estejam atribuindo a uma intervenção do professor, eu não queria causar nenhum embaraço a ele. Almeida já vinha falando e postando muita coisa contra a nova política externa (nunca a favor), e eu tolerava, mas desta vez ele passou dos limites. Um grande abraço e tudo de bom para vocês!”, disse Araújo por mensagem de texto, segundo divulgou Olavo, em sua página no Facebook.
Rubens Ricupero viu na dispensa de Almeida um “ato confessadamente de repressão político-ideológica, de patrulhamento ideológico que lembra os momentos mais sombrios da ditadura militar, da qual o atual presidente é confessadamente admirador”.
Críticas para todos lados e políticos
Almeida assumiu o cargo no Ipri em 2016, durante a gestão de Michel Temer na Presidência. Em seu blog, dizia querer estimular o debate sobre a política externa com a reprodução de artigos. Dia 24 de fevereiro, o embaixador já havia publicado um texto crítico a Olavo de Carvalho.
Além disso, em 2 de março, republicou em suas redes sociais declarações dele, que chamou de “Olavices debiloides”. “Certas coisas precisam ser relidas para constatar que, efetivamente, estamos em face de uma demonstração explícita de debilidade mental”, postou o diplomata. “Essa inteligência suprema que orienta a política externa do presente governo?”, completou.
Já nas suas redes sociais, comentou a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, sobre a morte do neto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Arthur de sete anos. “Fundamentalistas de esquerda e de direita não só se parecem, como são exatamente iguais”, escreveu no Twitter.
No blog, anunciou que deve publicar em breve um livro que trata, entre outros temas, da diplomacia no período “lulopetista”, no qual, segundo afirma, atravessou longo “deserto”. “Durante todo o decorrer do regime lulopetista – de 2003 a 2016 –, eu não tive nenhum cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE), tendo sido 'condenado’, desde o início desse regime, a uma longa travessia do deserto, que só veio a termo com o impeachment de meados de 2016, quando finalmente fui convidado ao cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty”, afirmou.
Almeida seguirá como diplomata de carreira, cargo que exerce desde 1977. Já serviu nas embaixadas de Paris e de Washington, entre outros postos de destaque.