Durante a campanha à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL) prometeu um governo com muitos militares. Não ficou só na retórica. Até o momento, nomeou sete integrantes das Forças Armadas para o cargo de ministro, quase um terço. Em números absolutos, iguala a quantidade de fardados nos ministérios anunciados pelo segundo governo da ditadura que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. E supera o número de militares ministros que tomaram posse junto com os quatro outros generais-presidentes.
Ou seja, Bolsonaro tem tantos ou mais nomes das Forças Armadas no primeiro escalão quanto seus colegas presidentes que atuaram no regime militar. A diferença é que ele encabeça um governo eleito democraticamente. Os ex-fardados equivalem a 32% dos 22 ministérios, sem levar em conta que o próprio Bolsonaro é capitão da reserva do Exército e o vice, Hamilton Mourão, era general da ativa até o início deste ano.
No cálculo proporcional, Bolsonaro perde para os quatro primeiros presidentes da ditadura e supera o último daquele período. Com relação aos presidentes do período democrático pós-ditadura, perde para Fernando Collor — na época, Exército, Marinha e Aeronáutica eram ministério.
A forte presença militar está em sintonia com aspirações dos eleitores, ponderam dois generais ouvidos por GaúchaZH. A oposição vê surto de autoritarismo, mas a resposta, segundo esses oficiais, é outra. A presença de pessoal dos quartéis é uma forma de exercer controle férreo sobre pontos estratégicos.
— Teremos gente séria acompanhando obras públicas, que costumam ser superfaturadas. Haverá cronograma, prazos, planejamento, coisas que nem sempre ocorrem no conluio tradicional entre políticos e empreiteiras. O povo queria isso ao votar e assim será — pondera um dos generais.
O cientista político e professor da Universidade de São Paulo José Álvaro Moisés corrobora essa avaliação. Para ele, indica perspectiva de que as autoridades civis não são suficientemente confiáveis e eficientes, e que o governo quer contar com a autoridade dos militares pelo que representam em termos de força e poder, mas também em competência administrativa.
— Em parte, isso tem relação com o desprestígio dos políticos civis. Mas, por outro lado, pode ser um modo de reverenciar a memória da ditadura militar e, assim, retomar a influência dos militares na política — diz Moisés.
Um dos maiores exemplos da "ordem e disciplina" que Bolsonaro parece querer impor está na Secretaria de Governo. Será ocupada por um caxias, o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz. Conhecido pela austeridade e firmeza, tem no currículo comando de tropas de paz das Nações Unidas no Haiti (7 mil militares) e no Congo (29 mil militares, a maior da história da ONU). É linha de frente. Participou de troca de tiros em território haitiano e, no país africano, quase morreu quando o helicóptero em que estava foi atingido por disparos.
Agora, Santos Cruz terá de trocar as armas pela interlocução do futuro governo com parlamentares e outros grupos da sociedade civil. Junto com o vice-presidente, ajudará a fiscalizar obras, privatizações e desempenho do governo, com ascendência sobre outras pastas. É de Mourão, aliás, a ideia de cobrar metas dos ministros.
Outro militar com influência igual ou maior que Santos Cruz é Augusto Heleno, general que foi o primeiro comandante da Missão de Paz da ONU no Haiti. Professor de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (RJ) e conselheiro de primeira hora na campanha à Presidência, ocupará um cargo tático, a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Cuidará da proteção do presidente e também da espionagem e contraespionagem, como gestor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Em suma: antecipará aos governantes o que seus adversários e aliados planejam.
Além do trio de generais que esboçará a geopolítica do governo, dois oficiais de médio escalão terão papel fundamental. Um deles é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes Freitas. Ex-capitão, engenheiro de formação, é ex-diretor executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
Já o papel de fiscalizar as contas e tentar impedir que a propina corra solta ficará com outro capitão da reserva do Exército, Wagner Rosário, atual ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União, que permanecerá no cargo.
As Forças Armadas serão comandadas por um ministro da Defesa militar, o general Fernando Azevedo e Silva. Por fim, não vêm do Exército e sim das outras forças armadas dois ministros técnicos. Um deles é o tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes, piloto de caça, conhecido por ser o único astronauta brasileiro, que ocupará Ciência e Tecnologia. O almirante de esquadra Bento Costa de Albuquerque Junior, da Marinha, é um físico que cuidará de Minas e Energia.
Intervenção militar veio pelo voto
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Bolsonaro colocou os militares justamente naquelas áreas que, para as Forças Armadas, são consideradas as que envolvem segurança nacional: minérios, energia, interceptação de planos terroristas e infraestrutura.
— Tudo isso não é acaso, vinha sendo estudado desde o início da campanha. Militares trabalham com planos para curto, médio e longo prazos. Daí para o ministério foi um pulo — resume um general que participa da equipe de transição — são oito militares no grupo.
O brazilianista David Fleischer, norte-americano especialista em política brasileira e professor na Universidade de Brasília, enxerga no apelo do eleitorado a um presidente vindo dos quartéis ruptura com o sistema político tradicional, um recado de que está "de saco cheio com tanta corrupção", um repúdio aos caciques do Senado (onde houve renovação de mais de 85%) e da Câmara (mais de 50% de novos nomes).
— Ao escolher militares para pastas nevrálgicas, Bolsonaro tenta passar um recado: os milicos são mais imunes à fisiologia, ao toma lá dá cá da política. Têm mais condições de resistir às tentações. Isso é verdade? Ainda vamos ver. No momento, não vejo a presença desses militares como qualquer risco à democracia. A eleição os colocou lá. Só o futuro dirá se agirão de forma autoritária — pondera o especialista.
Para Bolsonaro, a mídia dá importância demasiada à presença de seus colegas de farda no governo e assegura que estarão lá por competência e não porque são militares. Mas em visita recente às Agulhas Negras, onde foi formado, anunciou reajustes no soldo das Forças Armadas.