Para garantir o repasse de cerca de R$ 232,5 milhões dos cofres públicos a servidores do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o plenário da própria Corte revisou decisões anteriores dela mesma, revendo a prescrição dos pagamentos.
O valor reivindicado por funcionários do tribunal se refere a diferenças de Unidade Real de Valor (URV), indexador transitório utilizado no período de implantação do Plano Real. Ao terem seus salários convertidos para URV, em julho de 1994, os servidores teriam sofrido perdas que, anos depois, passaram a ser cobradas pelas corporações da categoria. O TCE já havia determinado, em pelo menos dois momentos, que o prazo legal de cinco anos para extinção do direito de requerer valores (prescrição quinquenal) deveria ser respeitado também em relação às URVs. Agora, esses atos oficiais foram contornados para permitir que os funcionários recebam diferenças registradas entre maio de 1994 e novembro de 1999. Ou seja, pela lei, os valores já estão vencidos, mas o TCE decidiu reconhecer o crédito sob a alegação de "renúncia tácita da prescrição". Na prática, abriu mão da desobrigação legal de pagar.
Em sessão no dia 7 de novembro, os sete conselheiros da Corte analisaram recurso administrativo da Associação dos Funcionários Aposentados do TCE (Afatce), cuja intenção era contestar decisão anterior em que havia prevalecido a prescrição. Com acolhimento da apelação, o tribunal concedeu ao servidores direito integral a diferenças de URVs que tentavam receber desde 2004, quando o pagamento passou a ser requerido.
Em novembro de 2005, após pedido administrativo da Associação dos Servidores do Tribunal de Contas (ASTC), os funcionários obtiveram direito de ganhar percentual de diferença de URV equiparado a Poder Judiciário e Ministério Público.
Ao fazer os cálculos sobre quanto cada funcionário deveria receber, a direção-geral do TCE daquele período determinou que os pagamentos fossem feitos retroativamente entre 2000 e 2005, para respeitar a precisão de cinco anos. Ou seja, valores referentes a 1994 e 1999 ficaram de fora da conta por estarem vencidos. Foi a primeira vez que o TCE observou a prescrição.
Depois, em novembro de 2013, outra corporação, a Afatce, apresentou novo requerimento para pleitear pagamento das diferenças de URVs entre 1º de março de 1994 e 16 de novembro de 2000. Era nova tentativa de receber o que havia sido negado.
O pedido foi acatado parcialmente. O entendimento, definido em sessão plenária, foi de que a prescrição permitia o pagamento de mais um ano de URV retroativo — entre dezembro de 1999 e novembro de 2000. Mas, pela segunda vez, foi definido que a prescrição após cinco anos deveria ser aplicada. Assim, foram declaradas indevidas URVs retroativas a novembro de 1999 para trás.
No desdobramento do processo, a Afatce apresentou novo recurso administrativo para tentar receber valores relativos ao período entre março de 1994 e novembro de 1999. Apesar das negativas recebidas até ali, o pedido agora foi acatado pelo TCE, que julgou o recurso no último 7. Dessa forma, a conta de R$ 232,5 milhões, declarada indevida no passado, chega em momento de crise nas finanças públicas, com constantes atrasos nos salários de servidores do Executivo.
Para justificar a concessão dos pagamentos, o conselheiro do TCE Estilac Xavier, relator do caso, desqualificou, em seu voto, a decisão da direção-geral da Corte em 2007. Segundo ele, o diretor-geral não tinha legitimidade para declarar a prescrição. Já a determinação dos conselheiros do tribunal em 2015, quando a regra prevaleceu, não foi rebatida na discussão de mérito pelo relator.
Com o pagamento assegurado pelo tribunal no qual trabalham, os servidores aguardam agora o depósito nas contas, que ainda dependerá da organização de um calendário.