A Polícia Federal apontou em seu relatório final da Operação Cui Bono indícios de que o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA) recebeu R$ 16 milhões em propina para influenciar a liberação de recursos da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa. No mesmo documento, o delegado Marlon Cajado também cita que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi o destinatário de entregas de valores que, somados, alcançam R$ 89 milhões.
Os pagamentos a Geddel e Cunha, segundo a PF, foram feitos por meio do doleiro Lúcio Funaro, apontado como operador de propina do grupo político do MDB da Câmara. Os valores teriam sido pagos pelas empresas J&F Investimentos (acionista da JBS), pelo Grupo Marfrig, pelo Grupo Bertin e pelo Grupo Constantino, dono da Gol Linhas Aéreas.
Deflagrada no dia 13 de janeiro de 2017, a Cui Bono investigou irregularidades cometidas na vice-presidência de Pessoa Jurídica da Caixa, durante o período em que foi comandada por Geddel, entre 2011 e 2013. A investigação teve origem na análise de conversas registradas em um aparelho de telefone celular apreendido na casa do então deputado Eduardo Cunha.
Ao concluir a investigação, a PF indiciou 16 pessoas pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução de Justiça.
No caso de Geddel, a PF mapeou todas as entregas de valores citadas em planilhas encontradas em um HD apreendido na casa da irmão de Funaro. O documento elenca entregas de valores em Salvador (BA).
Para confirmar a veracidade, os investigadores levantaram informações sobre as viagens de Funaro até a capital baiana, os dados de uma empresa dona do hangar onde ele deixava seu avião particular e ligações telefônicas realizadas por ele nas datas das entregas. A conclusão da PF foi de que todas as informações prestadas por Funaro em seu acordo de colaboração sobre as entregas para Geddel foram confirmadas durante a apuração.
"Desse modo, a hipótese criminal identificada é a de que Geddel Vieira Lima se utilizou da sistemática ilícita engendrada por Lúcio Funaro visando ocultação, dissimulação e distribuição de recursos de origem ilícita, além de Gustavo Ferraz, com pessoa interposta, para recebimento de vantagens indevidas referentes às negociações ilícitas realizadas para influenciar operações de créditos junto à então vice-presidência de Pessoa Jurídica da Caixa", diz a PF em seu relatório.
Um exemplo é a entrega de R$ 1 milhão registrado nas planilhas de Funaro. A PF descobriu que o doleiro contratou na mesma data da entrega os serviços de "hangaragem" da empresa Aero Star Táxi Aéreo, no aeroporto de Salvador. Com os dados do voo, os investigadores descobriram que o avião de Funaro ficou apenas 30 minutos estacionado no local.
"Esse curto período de parada, juntamente com os contextos apresentados, permitem inferir que o objetivo da viagem teria sido unicamente para a entrega de valores", diz a PF.
Além dos dados sobre a viagem, o delegado do caso também solicitou informações às operadoras de telefonia e mapeou as ligações dos celulares de Funaro e Geddel naquele dia. O cruzamento apontou que tanto o operador como o ex-ministro realizaram ligações nas proximidades do aeroporto no período em que o avião estava estacionado no hangar da Aero Star Táxi Aéreo.
Cunha
Sobre o ex-presidente da Câmara, a PF diz ter encontrado o registro de 181 operações realizadas por Funaro que teriam como destinatário Cunha. O somatório dessas operações, diz o relatório, alcança o valor de R$ 89,5 milhões, entre os anos de 2011 e 2015.
"A hipótese criminal identificada é de que Eduardo Cunha se utilizou da sistemática ilícita engendrada por Lucio Funaro visando a ocultação, dissimulação e distribuição de recursos de origem ilícita para recebimento de vantagens indevidas referentes às negociações ilícitas realizadas para influenciar operações de crédito junto à então vice-presidência de Pessoa Jurídica e a de Fundos de Governo e Loterias".
De acordo com os dados levantados pela PF, a maioria dos repasses se deu no ano de 2014, quando foram mapeadas 82 entregas de Funaro para Cunha e pessoas apontadas como seus operadores. "Ademais há que se ressaltar que 2014 foi ano eleitoral, o que, certamente, contribui para a maior distribuição de recursos ilícitos", diz a PF.
Contrapontos
Em nota, o advogado Délio Lins e Silva Júnior, que defende Eduardo Cunha, disse que "por mais kafkaniano que possa parecer, embora a imprensa já tenha acesso ao relatório, os advogados ainda não tiveram esse privilégio e aguardam para eventual manifestação sobre o documento".
O advogado Gamil Foppel, da defesa de Geddel Vieira Lima, não respondeu aos contatos da reportagem até a publicação desta reportagem.
Já a Marfrig afirmou: "No dia 15 de maio de 2018, o empresário Marcos Molina dos Santos firmou com o Ministério Público Federal um termo de compromisso de reparação de eventuais danos relacionados às investigações da Operação Cui Bono. Não se trata de um acordo de colaboração ou de delação e não há admissão de qualquer culpa por parte do empresário, que mantém suas atividades empresariais inalteradas. O termo já foi homologado judicialmente e hoje produz plenos efeitos. O relatório da Polícia Federal não altera a situação jurídica de Marcos Molina dos Santos."
A defesa do empresário Joesley Batista reafirma que ele é colaborador da Justiça e, como bem destacado no relatório apresentado pela Polícia Federal, sua colaboração foi essencial, "trazendo celeridade e eficácia a esta investigação criminal", motivo pelo qual a autoridade policial sugeriu a concessão dos benefícios da colaboração premiada.
Em nota, Henrique Constantino diz que "segue colaborando com as autoridades para o total esclarecimento dos fatos".