Um conjunto de 18 mil juízes brasileiros, de 81 tribunais federais e estaduais, deixa de pagar cerca de R$ 30 milhões por mês de Imposto de Renda graças à isenção tributária de benefícios como auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde. Se os chamados penduricalhos fossem tributados da mesma forma que os salários, cada juiz teria de repassar, em média, 19% a mais para a Receita Federal.
Como a grande maioria dos auxílios concedidos pelo Poder Judiciário tem valor fixo e pagamento mensal, é possível projetar que essa espécie de renúncia fiscal alcance R$ 360 milhões por ano — aproximadamente R$ 20 mil por juiz, em média.
Nas últimas semanas, líderes da categoria e juízes de grande expressão pública - entre eles Sergio Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância - procuraram justificar o recebimento generalizado de auxílio-moradia, mesmo entre os proprietários de imóveis, como uma forma de complementação salarial.
Se os benefícios são vistos como salários, não deveria haver tratamento tributário diferenciado, argumentam críticos de privilégios no Judiciário. "Então tem que incluir no teto e pagar imposto de renda. Será que um dia a lei será igual para todos neste país?", escreveu a economista Elena Landau, em postagem no Twitter, ao reagir à afirmação de Moro de que o auxílio-moradia compensa a falta de reajuste salarial no Judiciário desde 2015.
Nos contracheques dos juízes, os rendimentos incluem, além dos salários, outros itens agrupados em três campos: "direitos pessoais", "direitos eventuais" e "indenizações". Na média da folha de novembro, os salários corresponderam a 60% do total de rendimentos, e os demais itens a 40%.
O auxílio-moradia é enquadrado legalmente como indenização e, como tal, não é sujeito a cobrança de imposto. Estão na mesma categoria o auxílio-alimentação, o auxílio-saúde, o auxílio-natalidade e "ajudas de custo" diversas. Também por ter caráter "indenizatório", e não remuneratório, o auxílio-moradia não é levado em consideração no cálculo do teto do salário dos juízes. Assim, a maioria ultrapassa o limite de remuneração, que atualmente é de R$ 33,7 mil por mês.
Em debate
Há diversas ações judiciais que contestam o caráter indenizatório do auxílio-moradia. Desde 2015, graças a uma decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, o benefício é pago de forma generalizada, e não apenas aos juízes que são obrigados a trabalhar em local diverso de sua residência tradicional. O valor chega a R$ 4.378 por mês.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), não há ilegalidade na concessão generalizada do benefício.
— O Supremo vai decidir se a natureza da verba é indenizatória ou remuneratória. Se for remuneratória, deve incidir Imposto de Renda. Mas aí se coloca um outro problema: as verbas indenizatórias, como o auxílio-moradia, são dadas apenas para juízes na atividade. Aposentados não recebem, porque não trabalham e, portanto, não teriam que ter residência oficial. Se (o STF) entender que o caráter da verba é remuneratório, o efeito pode estender isso a todos os aposentados também — afirmou.
Para o professor de Direito Tributário da USP Luiz Eduardo Schoueri, o auxílio-moradia tem caráter de verba indenizatória, por exemplo, quando um soldado do Exército é deslocado para a fronteira a trabalho. No caso do Judiciário, é diferente.
— É um salário indireto. Se não tem caráter de reparação, é renda.