A decisão unânime dos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que mantiveram a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reduz as chances de a defesa reverter o resultado tanto na mesma Corte quanto em tribunais superiores, em Brasília. Com o placar de 3 votos a zero, o único recurso disponível para a defesa no TRF4 são os embargos de declaração, que não permitem extinguir a condenação. Os embargos infringentes, que poderiam alterar a decisão, só caberiam em caso de divergência nos votos — o que não houve.
Os embargos declaratórios somente admitem o esclarecimento de ambiguidades, pontos obscuros, contradições ou omissões no acórdão (documento que oficializa a decisão em 2ª instância). Com isso, restará à defesa de Lula apresentar recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF). Antes, o procedimento para o STJ deve ser apresentado à vice-presidente do TRF4, desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère, que pode decidir pela admissibilidade ou não. Caso o pedido seja negado, ainda é possível ingressar com agravo regimental diretamente no tribunal superior.
A decisão dos magistrados João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, após nove horas de julgamento, não surpreendeu juristas consultados por ZH. O TRF4 tem histórico não apenas de manter condenações da 13ª Vara Federal de Curitiba, a 1ª instância da Operação Lava-Jato, mas também de ampliar as penas determinadas pelo juiz Sergio Moro. De cem julgamentos, aumentou a pena em 32% e absolveu em 6%. Com Lula não foi diferente: a pena inicial de nove anos e seis meses acabou elevada para 12 anos e um mês de prisão.
— O resultado era o esperado, inclusive na aplicação da pena. O tribunal usou os mesmos fundamentos feitos por Moro. A surpresa seria o resultado diferente — avalia o ex-ministro do STJ e ex-presidente do TRF4 Gilson Dipp.
O jurista vê como único caminho a apelação aos tribunais superiores, mas prevê batalha difícil em Brasília. O STJ analisa eventuais equívocos na aplicação da lei federal em 1ª e 2ª instâncias, mas não revê provas. O STF analisará o caso apenas se entender que houve afronta à Constituição. Na avaliação de Dipp, há chances de as duas cortes sequer aceitarem os pedidos de análise.
— Os recursos para tribunais superiores são muito limitados. Há uma peneira. Não são tribunais de revisão, de reexame de provas e de fatos — explica Dipp.
Procuradora regional da República e professora da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Silvana Battini considerou os votos dos desembargadores técnicos, que "reafirmaram a despolitização do caso". Na opinião da especialista, foi um recado importante para preservar a institucionalidade, independentemente do resultado:
— Não temos parâmetros nem precedentes para fazermos uma série histórica em relação a julgamentos no STJ e STF. O momento agora é da estratégia da defesa.
Alguns indícios da tática que será adotada por Lula no processo poderão ser identificados a partir dos embargos de declaração, a serem apresentados, no máximo, nos próximos dois dias. Embora seja praxe em caso de condenações, para esclarecer dúvidas sobre o acórdão, o recurso deve ser um ensaio da defesa para ir a Brasília, avalia Silvana:
— O objetivo jurídico é para sanar dúvidas, mas, na prática, é um momento preparatório para os recursos aos tribunais superiores.
O professor de Direito e Processo Penal Rogério Cury, do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR), de São Paulo, surpreendeu-se com a unanimidade. Um voto contrário abriria chance à defesa para os embargos infringentes e concederia mais força para questionar a decisão no STJ ou no STF:
— Esperava que houvesse o acatamento de alguma tese da defesa, que era sólida. Sem dúvida, o caso fica difícil, do ponto de vista fático probatório. Achei que haveria divergência na questão processual, inclusive na questão da pena.
Passado o 24 de janeiro, Lula pode ser preso? Ainda não é possível dizer. Existe tendência no STF a permitir prisões de condenados por colegiados, como é o caso do ex-presidente no TRF4. Mas isso não é lei. O próprio Supremo pretende discutir neste ano possível mudança de opinião e retorno aos tempos em que a prisão só era decretada após serem esgotados os recursos em todas as instâncias (trânsito em julgado), o que poderia beneficiar Lula e adiar sua prisão. Pelo entendimento atual, ele pode acabar atrás das grades antes de maio, tão logo sejam avaliados os embargos de declaração — em geral, levam de um a três meses para serem julgados.