O projeto do metrô de Porto Alegre foi alvo de um cartel, segundo revelação de executivos da construtora Camargo Corrêa em acordo de leniência junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Embora a obra não tenha saído do papel, cinco empreiteiras teriam negociado fixação de preços, divisão de mercado, condições e vantagens sobre o projeto. O grupo chegou a pagar pelos estudos de viabilidade do empreendimento.
Nesta segunda-feira (18), o Cade abriu o processo administrativo para apurar os fatos. Os delatores da Camargo Corrêa revelaram que o cartel operou durante 16 anos no país, envolvendo até 19 empresas. A interferência ocorreu em 21 licitações de metrôs em sete estados e no Distrito Federal. Batizado pelos próprios integrantes de "Tatu Tênis Clube", o grupo era comandado por Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.
No caso de Porto Alegre, a empreiteira mais interessada em assumir o empreendimento era a Odebrecht, por ter relação estreita com autoridades políticas na região. O conluio na cidade previa ainda a participação da OAS e da Queiroz Galvão, cujos representantes também relataram bom relacionamento com governantes locais. As informações foram registradas no relatório do Cade que faz um histórico das revelações dos delatores.
“Esclarece o Signatário que a Odebrecht tinha sua interlocução facilitada com os entes públicos em função das obras em andamento no Rio Grande do Sul, especialmente os projetos em andamento para a Trensurb. Ainda de acordo com o Signatário as empresas Andrade Gutierrez e OAS também tinham canais de comunicação facilitados com a Administração Pública porto-alegrense em função das obras em andamento de estádios dos clubes de futebol Internacional e Grêmio, respectivamente. A Queiroz Galvão também tinha obras e/ou projetos em andamento na região”, diz o documento.
As reuniões sobre a obra em Porto Alegre ocorreram entre 2010 e 2013, segundo os delatores. Os encontros, envolvendo executivos das cinco empresas, eram realizados na sede da Odebrecht, na avenida Borges de Medeiros. Em 2011, quando diversas cidades brasileiras se candidataram ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Mobilidade (iniciativa do governo federal que previa investimentos em infraestrutura), o grupo decidiu pagar pelos estudos de viabilidade na capital gaúcha, com objetivo de embasar e dar agilidade à licitação.
Apesar da mobilização do cartel e do projeto ter sido incluído no PAC, a execução da obra ficou no papel. O Governo Federal previa o custo de R$ 18 bilhões para o empreendimento, cujo traçado seria de 10 quilômetros de extensão, ligando o Centro Histórico à zona norte da Capital. Seriam necessárias contrapartidas do governo do Estado e da prefeitura.
A então presidente Dilma Rousseff chegou a anunciar a obra duas vezes, em 2011 e 2013. Porém, em 30 de dezembro de 2016, já no comando de Michel Temer, o governo federal informou que todo o recurso destinado para a cidade foi retirado porque a prefeitura não conseguiu, em quase dois anos, formalizar a contratação das operações de crédito junto aos agentes financeiros do programa.
Projeto descartado em 2013
Prefeito de Porto Alegre durante a elaboração do projeto do metrô, José Fortunati afirma que, no primeiro edital de manifestação de interesse, em 2013, somente a Odebrecht apresentou proposta, o que causou "estranheza", já que ela ultrapassava o dobro do valor calculado para o empreendimento.
A empresa apresentou proposta de R$ 9,5 bilhões pela obra. A razão para o valor estratosférico, segundo a prefeitura afirmou à época, seria o projeto nababesco desenhado, no qual as estações tinham até quatro níveis de andares subterrâneos.
Diante da situação, a prefeitura lançou uma nova concorrência, que recebeu cinco projetos. O processo não avançou para a licitação da obra porque o governo federal suspendeu o investimento, segundo Fortunati.
O ex-prefeito também garante que o processo para elaboração dos estudos de viabilidade foi “absolutamente transparente”.
– Como gestores, muitas vezes temos a clara sensação de que as licitações são combinadas. Mas precisamos seguir as regras, analisar com os técnicos, ser transparentes – finalizou.