Ao abrir as grades da carceragem da Polícia Federal (PF) de Curitiba à passagem de Marcelo Odebrecht, a Lava-Jato perde nesta terça-feira (19) seu mais vistoso prisioneiro. Com 48 fases deflagradas em quase quatro anos de investigações, a operação levou 190 pessoas à cadeia no Paraná, da elite da política e do empresariado a obscuros personagens do submundo do poder, como lobistas e doleiros. Nenhum deles carrega a estirpe de Marcelo, herdeiro do segundo maior conglomerado empresarial do país, dono de uma fortuna de R$ 10 bilhões e acostumado à adulação das autoridades que costumava subornar.
Com a liberdade vigiada concedida ao empresário, permanecem encarceradas em Curitiba 22 pessoas. Os presos de maior destaque são o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-ministro Antonio Palocci (ex-PT) e os executivos Leo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, e Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras.
– Marcelo Odebrecht era o personagem mais importante, um paradigma de que a Justiça tinha de agir contra a corrupção generalizada no Brasil e no Exterior – comenta o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp.
Condenado a 28 anos e seis meses de prisão, Marcelo sai da cadeia graças a um acordo de delação premiada que o permitiu reduzir a pena a 10 anos de reclusão (veja quadro). Depois de dois anos e meio em Curitiba, o tempo restante será cumprido num dos endereços mais restritos do país, o conjunto residencial Jardim Pignatari, em São Paulo, onde cada um dos 40 proprietários desembolsa R$ 19,8 mil mensais de condomínio.
Ainda estava escuro às 6h da manhã daquela sexta-feira, 19 de junho de 2015, quando agentes federais tocaram a campainha do nº 319, uma mansão de 3 mil metros quadrados. O empresário interrompeu os exercícios na academia da residência para atender a porta. Impassível, viu os agentes vasculharem os cômodos e apreenderem 11 celulares. Ao final, recebeu voz de prisão. Levado a um auditório da PF em São Paulo, Marcelo não admitia a situação. Cercado de advogados, distribuía ordens e exigia providências. De nada adiantou. Levado a Curitiba, o empresário se tornou o detento 118065, recluso ao pavilhão 6 do Complexo Médico-Penal de Pinhais, onde permaneciam os custodiados da Operação Lava-Jato.
Foram R$ 10,5 bilhões em propina a 400 políticos durante nove anos
Chamado de “o príncipe” pelos dirigentes das maiores empreiteiras do país, Marcelo foi o último dos oligarcas da construção civil a ser encarcerado. Considerado um troféu pelos investigadores, não por acaso foi detido em uma fase da operação batizada “Erga Omnes”, expressão em latim que significa “vale para todos”.
– É um recado claro de que a lei vale efetivamente para todos, não importa o tamanho da empresa, não importa o seu destaque na sociedade, sua capacidade de influência, seu poder econômico – justificou o delegado da PF Igor Romário de Paula.
Até então, a Odebrecht já era investigada, mas o empresário jamais achou que pudesse ser preso. Dias antes, ele havia concedido entrevista dizendo-se “muito irritado por estar na linha de fogo do embate político”. Na cadeia, Marcelo foi alvo de mais dois mandados de prisão preventiva, mas não perdeu a empáfia. Em depoimento à CPI da Petrobras, disse que a investigação causava “desgaste desnecessário” e citou seus “valores morais” para refutar um acordo de delação:
– Quando lá em casa as minhas meninas tinham discussão e tinham uma briga, eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquele que fez o fato.
Tal comportamento se repetiu diante de Sergio Moro. Sentado no banco dos réus, ignorou as perguntas do juiz e quis depor por escrito, lendo as respostas de um questionário preparado pelos próprios advogados. Foi preciso um ano e meio de cadeia e sucessivas derrotas judiciais para o empresário capitular. A descoberta, pela PF, do Setor de Operações Estruturadas, eufemismo com o qual foi nomeado o departamento de propinas da Odebrecht, desconstruiu sua defesa. Pesou também a insistência do pai, Emílio Odebrecht, para que a empresa colaborasse com a Justiça para evitar a ruína.
Vergado pelas circunstâncias, Marcelo finalmente confessou seus crimes. Naquela que foi chamada “delação do fim do mundo”, ele e outros 77 executivos do grupo admitiram ter pago R$ 10,5 bilhões em propina a 400 políticos durante nove anos. As revelações levaram o Ministério Público Federal a instaurar 83 inquéritos somente no Supremo Tribunal Federal.
Até hoje, ninguém foi julgado. Já Marcelo prepara-se para voltar para casa. Nesta terça-feira (19), ele senta-se diante do juiz de execuções penais da 12ª Vara Federal de Curitiba, Danilo Pereira Júnior, para cumprir a última formalidade do cárcere. Receberá tornozeleira eletrônica e alvará de soltura. Em seguida, embarca para São Paulo, onde passa a cumprir prisão domiciliar até 2025. Na carceragem da PF de Curitiba, já há quem sinta saudade das pizzas de azeite com zaatar feita com pão sírio pelo empresário aos sábados. A partir de agora, a iguaria será servida somente no nº 319 do Jardim Pignatari.