Dez anos após a Operação Rodin, o Ministério Público Federal (MPF) segue convicto de que houve um aparato criminoso que fraudou em milhões os cofres públicos do Detran gaúcho. Na manhã de 6 de novembro de 2007, a Universidade Federal de Santa Maria – a maior e mais notória instituição da cidade – se viu sacudida pela Operação Rodin. O saldo daquelas horas iniciais foram prisões temporárias de agentes políticos e pessoas ligadas à UFSM em Santa Maria e também na Capital e em Canoas.
GaúchaZH conversou com dois procuradores da República que acompanharam a operação Rodin em momentos distintos: tanto na largada, em 2007, quanto na reta final desse que é o maior processo da Justiça Federal gaúcha.
Os procuradores da República Alexandre Schneider e Bruna Pfaffenzeller entendem que, se a Rodin tivesse vindo à tona hoje, os desdobramentos – incluindo a prisão de acusados e a utilização do instrumento da delação premiada (na Rodin, houve apenas uma, a de Lair Ferst) – poderiam ser bem maiores.
_ Acredito que se, à época, tivéssemos feito uso desse instituto (da delação) teríamos certamente evidenciado fatos que, certamente, não conhecemos ainda hoje e, até mesmo, descortinado fatos e outras modalidades de fraude.
Bruna Pfaffenzeller faz coro ao colega e complementa:
_ Naquele momento, a delação era um mecanismo muito tímido e de uma aplicação não muito clara, em razão do cenário legislativo e jurisprudencial então vigente. Obviamente que a delação do Lair Ferst contribuiu para a mais profunda compreensão do cerne do esquema ilícito articulado em torno das contratações das fundações de apoio da UFSM pelo Detran. Até porque, no contexto fraudulento desvelado pela Operação Rodin, havia vários núcleos e diversos segmentos que interagiam intensamente entre si e se autorreforçavam. Em relação a muitos dos fautores, não se vislumbrava, de pronto, uma prova cabal de sua participação no engodo, o que só foi sendo apurado quando se conheceu o todo, inclusive a partir da colaboração do Lair, amealhando-se, ao fim, um conjunto robusto de indícios que evidenciaram não só o envolvimento desses agentes, como a essencialidade de suas respectivas contribuições para a formatação, manutenção e ocultação das fraudes. Nesse quadro, é de se cogitar que a efetivação de outras delações poderia ter evidenciado ainda novas situações que acabaram não descobertas.
Passado e presente
Alexandre Schneider integrou a força-tarefa e atuou na elaboração da denúncia e na coleta de provas. Ele avalia que a Rodin foi um marco importante no combate à corrupção em solo gaúcho:
_ A Rodin foi emblemática e, ao mesmo tempo, chocante por envolver servidores públicos do Estado, servidores de uma universidade federal e também por apontar a participação de pessoas ligadas a fundações de apoio que estavam sendo usadas apenas para dar um verniz de legalidade. Mas, logo depois, se verificou a participação de agentes políticos dos mais variados partidos. Ainda se verificou a questão das sistemistas e a existência de uma prestação de serviço de papel, sem ter sido efetivamente prestado.
À frente do caso Rodin desde 2015, a procuradora Bruna Pfaffenzeller – mais de uma dezena de procuradores já passaram pelo caso – assevera que o maior benefício da operação é a mudança de mentalidade por parte da sociedade, que passou a ser mais vigilante quanto à aplicação dos recursos públicos e a cobrar mais a classe política. Além disso, ela destaca que o MPF tem, dentro do possível, buscado junto ao Judiciário obter uma punição severa e exemplar àqueles de má-fé, que ainda possam imaginar que o crime de colarinho branco possa ficar impune:
_ Podemos creditar à Rodin o começo da construção de uma crença de que hoje a corrupção não compensa.
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Semelhanças
O caso Rodin também guarda semelhanças com outros casos de corrupção, conhecidos nacionalmente, como o mensalão e os atuais desdobramentos em torno da Lava-Jato, pontua Schneider:
_ A metodologia empregada pelos criminosos no caso Rodin foi mais sofisticada que no mensalão. Os criminosos se valeram de subterfúgios que eram empregados para dificultar o controle pelo Estado. A diferença é que o mensalão subtraiu muito mais recursos que a Rodin.
O MPF, tanto agora quanto à época, enfatiza que os valores desviados do Detran foram destinados ao financiamento de campanhas de partidos e políticos que apoiavam o governo Yeda Crusius (PSDB), à época, além de haverem sido distribuídos em forma de propina a agentes públicos (dos mais variados escalões) e também a servidores da UFSM.
Prisões em 2ª instância
Em tese, os 22 réus condenados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) poderiam estar presos, já que há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza o cumprimento de pena a partir de decisão em segunda instância. No entanto, o TRF4 segue em análise dos embargos infringentes para posterior elaboração de relatório e voto. Após isso, então, ainda cabe recurso junto ao STJ e ao STF.
_ É incompreensível que superadas duas etapas de provas e de um processo, o Judiciário não emita uma ordem de prisão dessas pessoas que já estão condenadas _ avalia Schneider.
Ainda que o MPF busque a prisão dos condenados, Bruna Pfaffenzeller avalia que há outras formas que, de certo modo, acabam minimizando essa sensação de impunidade:
_ Temos a questão da prisão que é muito forte e é ainda a medida mais impactante. Mas além dela, há, por exemplo, nos terrenos da improbidade administrativa (esfera cível), outras sanções bastante severas como: a suspensão de direitos políticos, a proibição de contratar com o poder público imposta a empresas privadas por anos, a aplicação de multas pecuniárias altíssimas, além do ressarcimento integral do prejuízo aos cofres públicos. Isso acaba sendo um alento ao MPF e à própria sociedade.
Os dois procuradores concordam que a exemplo da Rodin, os casos do mensalão e da Lava-Jato se assemelham em um aspecto: no fato da estrutura do Estado ser atacada por criminosos para desviar recursos públicos.