Uma sala acanhada no terceiro andar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, é um dos locais mais temidos pelos réus da Lava-Jato.
Reunidos ali todas as quartas-feiras, os três desembargadores responsáveis pela revisão das sentenças de primeira instância aumentaram em 218 anos o tempo de prisão estipulado pelo juiz Sergio Moro.
O rigor tem surpreendido juristas e até a cúpula do Judiciário. O ministro Jorge Mussi, integrante da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), colegiado que julga os recursos da Lava-Jato na Corte, avalia que muitas decisões impostas pelo TRF4 podem ser revertidas.
— Aparentemente, estão extrapolando. Isso seguramente será revisto nas instâncias superiores — entende Mussi.
Desde o início da Lava-Jato, em fevereiro de 2014, a Justiça Federal de Curitiba julgou 34 ações penais relativas à operação.
Dezoito desses processos foram analisados pela 8ª Turma do TRF4, especializada em ações criminais. No total, foram 81 decisões – 63 delas (77,8%) pela condenação dos acusados.
Levantamento de GaúchaZH mostra que só em 11 vezes a pena foi diminuída. Essa redução representou 73 anos a menos de prisão em relação às decisões de Moro.
Em contrapartida, em 30 casos os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus aumentaram o tempo de cadeia dos réus.
Advogados e especialistas em Direito Criminal, contudo, estranham a variação das sanções estipuladas pelos desembargadores em relação à decisão anterior de Moro.
Em pelo menos 11 vezes o TRF4 determinou penas superiores a 25 anos – punição considerada dura até mesmo para homicidas. Em um dos processos, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque teve os 20 anos e oito meses de detenção elevados para 43 anos e nove meses. Outras quatro pessoas também tiveram o tempo de prisão duplicado.
— Penas de 30, 40 anos para crimes de corrupção se sobrepõem até àquelas proferidas a réus condenados por homicídio triplamente qualificado. Os crimes julgados pela Lava-Jato são graves, mas essas penas parecem desmedidas — afirma o criminalista Celso Sanchez Vilardi, coordenador do curso de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas.
Para professor, divergências em votos causam perplexidade
Outro fator a despertar a atenção de operadores do Direito são os entendimentos discrepantes entre os próprios membros da 8ª Turma do TRF4. O episódio mais emblemático foi a recente absolvição do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.
Sentenciado por Moro a nove anos de reclusão, Vaccari apelou ao tribunal. Ao levar o caso ao colegiado, Gebran Neto, relator do processo, votou por pena de 40 anos. Acabou derrotado por dois votos a um. O condutor da divergência, Leandro Paulsen, entendeu que não havia provas contra o petista, apenas a palavra de sete delatores.
— Inexiste prova material de corroboração a dar apoio às declarações — afirmou Paulsen durante o julgamento, em voto seguido por Laus.
Foi a segunda vez que Vaccari reverteu condenação imposta por Moro. No processo anterior, havia sido sentenciado a 15 anos de cadeia. Gebran votou para elevar a punição para 18 anos, mas perdeu por dois a um.
De novo preponderou a visão de que só depoimentos de delatores não são suficientes para condená-lo.
– Graças a Deus houve essas absolvições. A turma do TRF4 é séria e competente, mas vinha só carimbando as decisões de Sergio Moro. Prevaleceu o bom senso de que palavra de delator não basta – diz Gilson Dipp, ex-ministro do STJ.
– É normal os membros de um colegiado terem visões diferentes. Mas causa perplexidade um juiz ver pena de 40 anos e outro não ver prova alguma, absolvendo o acusado – faz coro o professor Celso Vilardi.
Assim como Mussi, Dipp e Vilardi avaliam que muitas decisões tomadas em Porto Alegre serão revertidas em tribunais superiores. Eles criticam o que consideram certa banalização das imputações de organização criminosa e lavagem de dinheiro, crimes sistematicamente associados à corrupção na Lava-Jato.
Quando o réu é sentenciado pelos três delitos, ou mais de uma vez pelo mesmo crime, o TRF4 aplica o concurso material, preceito jurídico que soma as penas, aumentando a punição.
– O juiz tem de partir da pena mínima e, na dúvida, favorecer o réu. É preciso ver o que levou os julgadores a chegarem a penas tão altas. O STJ não reexamina provas, mas pode anular o processo ou diminuir a sanção – diz Mussi.