Clássica cena de abertura do primeiro filme da trilogia O Poderoso Chefão, o pedido de um pai para que Don Corleone se vingue dos homens que violentaram sua filha foi citada pelo juiz federal Sergio Moro para descrever a sistemática da corrupção. Na passagem, o personagem suplica que o mafioso italiano mate os agressores e, em troca, oferece dinheiro. O protagonista concorda em espancá-los, mas nega o pagamento.
— Algum dia, e talvez esse dia nunca chegue, vou lhe pedir um favor. Até lá, aceite como um presente pelo casamento da minha filha — responde Don Corleone.
Responsável pelos processos em primeira instância da Lava-Jato em Curitiba, o magistrado referiu-se à cena para ilustrar a dificuldade em encontrar "contrapartidas" em esquemas de corrupção. Após a analogia, a qual se referiu como um "parênteses cinematográfico", Moro disse que grande parte dos processos desvelados pela operação revelaram que a compensação ocorre para garantir um "bom relacionamento".
— É mais ou menos o que significou em vários desses casos de corrupção sistêmica. Pode ser muito difícil identificar contrapartida específica que o agente público oferece ou realiza em troca de vantagem financeira. Normalmente, vende-se uma influência a ser entregue segundo as oportunidades surgem — afirmou o juiz.
A referência ao filme foi feita pelo magistrado em palestra na manhã desta quinta-feira (21) em congresso promovido pela Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), na sede da Unisinos, em Porto Alegre. Diante de um público de cerca de 200 pessoas, Moro discorreu durante 55 minutos sobre os casos de corrupção "perturbadores" com os quais se deparou ao longo da Lava-Jato e os danos que os desvios causam à economia brasileira.
Sem citar nominalmente pessoas e empreiteiras investigadas, Moro citou que os contratos da Petrobras tinham reserva de até 3% do valor total para pagamento de vantagem indevida ou propina para executivos da estatal e agentes políticos. No único momento de descontração, brincou:
— Estamos falando em contratos da Petrobras, nos quais tudo é superlativo. Até falo brincando que, ao final desse caso, talvez me aposente e vá trabalhar na indústria petroleira porque fui descobrindo umas coisas... Por exemplo, um navio-sonda é muito caro. Um contrato de fornecimento está na ordem de US$ 500 bilhões.
Na conferência, ainda indicou que a impunidade vem deixando de ser regra no país e defendeu a prisão de condenados após julgamento em segunda instância, conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.
— A meu ver, a decisão passou pela percepção de que o quadro de impunidade é um dos fatores que leva a essa aprofundada corrupção. Por isso, é essencialmente importante a manutenção desse precedente. Existe um burburinho de que o Supremo poderia mudar novamente esse precedente. Espero que não aconteça — destacou.
Acompanhado de ao menos sete seguranças, o juiz ainda assistiu a duas palestras após a sua exposição. Depois, deixou o local sem atender a imprensa. Ao redor da universidade, três viaturas da Brigada Militar (BM) e policiais a cavalo monitoraram a passagem do juiz pela Capital.