Juristas consultados por Zero Hora divergem sobre a validade das provas usadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao fundamentar a segunda denúncia contra Michel Temer, desta vez por organização criminosa e obstrução da Justiça. Enquanto especialistas da área do direito criminal avaliam que Janot se baseia demais em depoimentos e pouco em provas materiais, profissionais de direito constitucional consideram que a denúncia traz indícios suficientes para, ao menos, começar uma investigação.
— A peça detalha histórico de condutas dos denunciados, amparada em um lastro de outras ações penais, investigações, delações, gravações e interceptações. Mas não há acusações específicas envolvendo manutenção de depósitos no Exterior, por exemplo. Talvez isso apareça em novas fases da Lava-Jato. Mas é muito dependente de delações — avalia Carlos Eduardo Scheid, criminalista, doutor em Direito e sócio do escritório Scheid & Azevedo.
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O advogado cita o caso do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, absolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) do crime de corrupção passiva por ter sido acusado, na visão dos desembargadores, apenas com base em colaborações premiadas.
— Parece que a situação de Temer vai no mesmo caminho. E inclusive o Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando com base na opinião pública. A própria Cármen Lúcia disse que iria "ouvir a voz das ruas". Mas o Judiciário tem de ouvir é a voz da Constituição — afirma Scheid.
Daniel Falcão, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Direito Público (IDP), discorda:
— É natural que na denúncia não haja provas cabais, porque é o primeiro passo para a investigação. Não é o meio do processo. As delações são um caminho forte para apresentar uma denúncia. É no processo, se a Câmara autorizar, que haverá a investigação, com provas, oitiva de testemunhas e interrogatório. Isso não tem nada de precedente perigoso.
O advogado criminalista André Callegari, professor de Direito Penal da Unisinos, diz que Janot deveria ter usado provas materiais mais fortes:
— É elementar escrever onde, de que forma e como foi o crime, e qual foi a participação da pessoa, para que o acusado exerça o direito da ampla defesa. E não há isso na denúncia, que precisa ser aprofundada.
Caso só vai para a Câmara após julgamento no STF
Ao longo do texto, Janot posiciona registros de telefonemas como indícios de atividade ilegal. O procurador- geral da República cita, por exemplo, 9.523 ligações trocadas entre os ex- deputados Eduardo Cunha e Henrique Alves, de 2012 a 2014, e 1.723 chamadas e mensagens de texto entre ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Para Callegari, não é suficiente:
— Isso só não justifica. Quantas vezes um ministro e um colega se ligam? Ou um assessor e um parlamentar? Só o número não diz nada.
Avaliação diferente é feita por Eloísa Machado, uma das coordenadoras do projeto Supremo em Pauta da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, e professora de Direito Constitucional na instituição. Para ela, a acusação elaborado por Janot não é "uma narrativa fantástica":
— A apresentação da denúncia não é o momento de mostrar as provas definitivas, ela deve motivar uma investigação. A PGR traz áudios, transferências bancárias que ocorreram poucos dias após ligações, e-mails, mensagens de WhatsApp, depoimentos de não colaboradores, dados do departamento de propina da Odebrecht, quais eram as offshores criadas para dar aparência de legalidade, os registros de pagamentos, informações de processos em réus que já foram condenados pelo (juiz Sergio) Moro, ou seja, que a Justiça considerou como válidos. Tem muita coisa.
A denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) só deve ser encaminhada à Câmara depois da próxima quarta-feira. Relator da Lava- Jato, o ministro Edson Fachin decidiu, na sexta-feira, que só vai liberar a peça para envio ao Legislativo após o julgamento no STF sobre a validade do uso da delação da JBS na acusação, uma vez que Janot solicitou a rescisão do acordo.
Ainda na sexta-feira, a defesa de Temer pediu a Fachin que devolva a denúncia à PGR para reanálise. A alegação é de que são citados diversos fatos anteriores ao mandato, quanto aos quais a Constituição prevê imunidade.