Eleito no primeiro turno para administrar a principal capital brasileira, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), concedeu entrevista a ZH no fim da tarde da última segunda-feira (11). Durante 35 minutos, em uma sala de reuniões no quinto andar do Edifício Matarazzo — onde, desde 2004, instalou-se a sede da administração municipal —, desconversou sobre a possibilidade de concorrer à Presidência em 2018. Porém, confessou a vontade de comandar o país:
— É difícil um brasileiro não desejar ser presidente da República.
Leia mais
De selfie em selfie, Doria constrói candidatura para presidente em 2018
VÍDEO: um dia na agenda de João Doria
Entre Alckmin e Doria, FHC sobe no muro sobre nome do partido para 2018
Na conversa, Doria ainda minimizou a disputa no ninho do PSDB, protagonizada com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, e demonstrou preocupação com o partido que elegeu como alvo e rival. Para o tucano, o PT segue vivo. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista.
O senhor completou oito meses à frente da prefeitura de São Paulo. Até o momento, qual é a marca de seu governo?
Da gestão eficiente, moderna, inovadora e digital. O mundo é digital, não mais analógico. Hoje, a prefeitura de São Paulo tem uma gestão de cidade global. Estamos no começo, mas, nesses oito meses, essas são as marcas mais importantes. Nos programas, vale mencionar saúde, educação, empreendedorismo, zeladoria urbana, segurança pública e habitação.
Há um ano, o senhor era eleito prefeito em primeiro turno na principal capital do país. Hoje, qual o seu projeto político?
Respeito muito os políticos, até porque sou filho de um, mas estou na política, não sou da política. Isso me diferencia um pouco, mantendo uma relação respeitosa com quem está na política, mas também me dando a perspectiva de ser inovador. Não temos o compromisso e a obrigatoriedade da política, mas da sociedade. Na sequência, vêm aqueles que nos apoiam, os partidos e a base aliada. Não o inverso, como talvez fosse o sentimento dos políticos – primeiro a política partidária, depois a população.
Então, em sua atuação política, onde o senhor quer chegar?
Quero ser lembrado como um bom prefeito de São Paulo. Estamos nos esforçando para sermos bem avaliados, como tem ocorrido até agora. Todo dia é uma agonia. É uma cidade-Estado. Não tem moleza. Trabalho, em média, 18 horas por dia, inclusive aos sábados e domingos. Não tem feriado, nem sábado e domingo.
Os seus movimentos aumentam especulações sobre sua candidatura à Presidência em 2018. O senhor quer ser presidente da República?
É difícil um brasileiro não desejar ser presidente da República. Conheço crianças, jovens, adolescentes, adultos, pessoas que gostariam de cumprir essa tarefa. É um orgulho você ter esse objetivo ou ao menos esse sonho. No meu caso, estou focado na gestão da cidade de São Paulo. Fui eleito para a prefeitura. Não posso deixar de lado que 3 milhões de pessoas votaram em mim. Fico muito feliz de ser lembrado e fazer parte de pesquisas. De certa maneira, reflete positivamente a nossa gestão, mas o foco mesmo está na prefeitura. Mais à frente, vamos ver outros patamares.
Mais à frente quando?
Não sou eu quem define esse tempo, mas as circunstâncias. Em dezembro, o PSDB deve definir os mecanismos para a definição de quem poderá ser candidato à Presidência da República. Creio que o partido deverá seguir duas vias: a da pesquisa de opinião pública, identificando os candidatos com mais chance, intenção de voto e rejeição, e a das prévias. Se o PSDB seguir esses dois caminhos, será muito bom. Lembrando que pesquisas ajudam muito a balizar o sentimento do partido.
Geraldo Alckmin manifestou-se surpreso com a sua intenção de concorrer internamente no PSDB pela candidatura à Presidência. O governador defendeu a realização de prévias, mas o senhor rejeitou a possibilidade de disputá-las. A saída para a sua candidatura seria deixar o partido?
Não é minha intenção. Se candidato for, tenho certo constrangimento de disputar com o governador. Tenho muita amizade e respeito por ele. Talvez não me sinta confortável, embora apoie as prévias. Aliás, sou fruto das prévias. Só estou aqui, como prefeito, porque disputei as prévias do PSDB e ganhei, superando todas as expectativas. Diziam que João Doria não tinha nenhuma chance e disputaria só para cumprir tabela. Não foi um enfrentamento fácil para alguém que nunca havia participado de eleição e sequer tinha uma vivência orgânica dentro do PSDB. Fizemos uma campanha começando totalmente desacreditados e ganhamos em primeiro turno, um fato histórico na vida política brasileira.
Falando em prévias, Alckmin foi seu fiador na disputa interna do PSDB que o escolheu candidato em 2016. Hoje, o senhor o enfrenta porque ambos querem disputar a Presidência. É traição?
Espero que não aconteça. Reafirmo meu respeito e admiração por Alckmin, homem de bem e governador excepcionalmente bem avaliado. Temos 37 anos de amizade que nasceu fora da política. É uma relação muito respeitosa. Além do mais, sou conciliador e não gosto de briga. Sou firme na defesa de princípios e objetivos, mas não sou um riscador de giz, que risca o giz na calçada para fazer rinha e ver quem ganha no muque. Tenho certeza de que o PSDB não viverá esse momento. O governador e eu temos foco agora: ele, no governo do Estado, eu, na prefeitura.
O evento desta segunda-feira (11), que reuniu o senhor, Alckmin e Fernando Henrique Cardoso, representou uma reconciliação do PSDB paulista?
Foi uma reafirmação. Nunca nos separamos, nem houve ruptura. Não é caso de reconciliação. Reafirmamos o nosso consentimento. Ele, eu e o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso.
Pesquisas o apontam como o prefeito brasileiro mais popular nas redes sociais. Ao que o senhor atribui esse fenômeno?
Sou frequente no ambiente digital e dou muita transparência. Tudo o que fazemos vai para as redes, e as pessoas avaliam com seu próprio discernimento. Quem nos assiste e nos acompanha forma sua opinião, toma suas decisões e as multiplica nas próprias redes. Também há o fato de realizarmos muitas tarefas novas, transformadoras e inovadoras, ainda que em fase inicial. E sem dinheiro. Fazer gestão com dinheiro é "menos difícil". Sem dinheiro é muito difícil. Temos prestígio do setor privado, com muitas doações e participação ativa. Isso tem nos ajudado bastante a ganhar visibilidade e fazer os programas acontecerem. Acumulamos mais de R$ 650 milhões em recursos, sem nenhuma contrapartida de investimentos privados. É um fato inédito no Brasil.
Fernando Henrique Cardoso sugeriu que o senhor faz mais publicidade do que ações concretas. De que forma reage à crítica vinda do mentor do seu partido?
Não foi uma crítica, mas uma constatação do presidente, com quem mantenho as melhores relações. Ele não é uma pessoa digital, está um pouco mais para o analógico. Diverte-se com esses movimentos nas redes e sempre brinca comigo, dizendo que "o digital é o João Doria". Entendo como uma observação construtiva e bem-humorada, não como uma crítica.
Em quase oito meses, o senhor esteve 47 dias fora de São Paulo – média de uma saída a cada cinco dias. Foram 23 viagens, sendo seis para o Exterior. Isso tem motivado críticos a lhe chamarem de turista na capital paulista. Trata-se de campanha eleitoral antecipada?
Não. Tenho o direito de viajar. O dia em que for impedido, instauramos novamente a ditadura no país. O que impede um homem público de visitar o seu país ou mesmo de fazer viagens internacionais? Nada. Somente aqueles com interesse partidário-eleitoral condenam. Sempre vou em busca de bons resultados para a cidade, e temos os conquistado. São Paulo é a maior capital do país, uma cidade global. Além do que, sou vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Como tal, tenho de viajar e conhecer as realidades de diferentes regiões do país. Faço isso com discernimento e tranquilidade. E vou continuar fazendo.
Recentemente, o senhor recebeu uma ovada em Salvador, assim como ocorreu com o deputado federal Jair Bolsonaro e o governador Geraldo Alckmin. Houve ainda um episódio em que simpatizantes do PT entraram em confronto com integrantes do MBL e do Vem Pra Rua. Ao que o senhor atribui esse tipo de agressão no ambiente político?
Principalmente, à intolerância da esquerda. Os partidos de esquerda e extrema-esquerda vivem uma intolerância condenável. Não é saudável para a democracia brasileira. Quando você reúne, como ocorreu em Salvador, PC do B, PSOL, Rede e PT, direcionando rojões contra as pessoas e jogando ovos... Não é uma atitude democrática. Você pode discordar da opinião de alguém e fazer o confronto de ideias. É aceitável, faz parte do jogo democrático. Xingamentos, brigas, empurra-empurra, rojões, ovos, ou qualquer gesto de agressão não é democracia, mas autoritarismo. É condenável. É o que estão fazendo na Venezuela, modelo para petistas, redistas, psolistas e pcbistas _ o movimento bolivariano, que agride, mata, coage e empareda as pessoas. No setor privado, aprendi a fazer do limão uma limonada. Agora, aprendi a fazer da ovada a gemada. Em vez de devolver na mesma moeda, solicitei a doação de 10 mil ovos e fizemos 5,7 mil refeições para pessoas em situação de rua. Mostramos que ovos não devem ser jogados nas pessoas, mas servir de alimento.
Mas ao chamar Dilma Rousseff de "anta", por exemplo, o senhor não está contribuindo para essa escalada da virulência no ambiente político?
Já me desculpei e renovo as desculpas. Não devia ter feito isso. Sou uma pessoa educada. Cometi uma falha ao classificar a ex-presidente de "anta". Ainda que possa ser entendido de forma bem-humorada, não é a forma certa de tratamento de ninguém. Sobretudo de uma mulher.
Há quem diga que o PT está morto. Por que o senhor segue batendo no partido?
O PT não está morto. Nem o petismo. Haja vista que Luiz Inácio Lula da Silva trafega pelo país com 30% das intenções de voto. Alguém com seis indiciamentos, julgado culpado e que pode cumprir pena de nove anos e meio de prisão. É preciso ter consciência de que o PT não morreu, nem o petismo. Combato o PT, mas tenho de compreender que ele tem existência nacional.
A Lava-Jato demonstrou a espúria relação entre empresas e políticos. Na sua gestão, o senhor aposta em parcerias com o setor privado, que podem representar economia ao orçamento municipal, mas também gerar apreensão sobre possíveis conflitos de interesses. O que parcerias sem contrapartida do poder público podem acarretar para o município no futuro?
Somente benefícios. Nenhum mal. À medida que se faz com transparência e critérios que a prefeitura e o Ministério Público compreendem como reais e verdadeiros, não há porque inibir doações para a cidade. O importante é que exista transparência e o benefício seja real, sem qualquer contrapartida. Quando houver alguma contrapartida, também pode ser legítimo, mas desde que se deixe bem claro.
Então, trata-se unicamente de bondade das empresas?
Até o momento, não foram bondades, mas gestos solidários com a cidade. Não com o prefeito. São Paulo é o maior mercado de consumo do país, concentra a maior força consumidora de produtos, marcas e serviços da América Latina. Nas redes sociais, dou a devida publicidade para agradecer a essas empresas pelo que fazem para as pessoas em situação de rua, de drogadição, para a recuperação de jardins, parques, da iluminação pública e de outros serviços. Afinal, mais de 3 milhões de seguidores no Facebook... É uma audiência televisiva. Diferente da solidariedade petista, que você faz, mas pede sítio, pedalinho, depósito em conta bancária na Suíça e triplex no Guarujá, ainda há solidariedade no Brasil. Há pessoas que conseguem fazer gestos sem nenhuma contrapartida.
Como o senhor avalia o governo de seu colega de partido Nelson Marchezan à frente da prefeitura de Porto Alegre, que, diante da crise financeira, adotou o parcelamento do salário dos servidores e sugeriu a suspensão da gratuidade na segunda passagem de ônibus?
Marchezan vem fazendo, com eficiência, um trabalho competente. Tem responsabilidade fiscal e coragem, porque algumas medidas de contingenciamento são impopulares, mas necessárias. Em São Paulo, também reduzimos o passe livre de alunos que tinham gratuidade para fazer lazer aos finais de semana. Isso custa muito para a cidade. O passe livre é feito para quem estuda ir e voltar da escola, não para passear. A cidade não tem condições de financiar milhares de jovens para passear aos seus finais de semana enquanto há crianças fora da creche e necessidade de material escolar e de melhorar a alimentação das pessoas em situação de rua. Tem de se ter prioridades. Essa restrição gerou uma economia de mais de R$ 80 milhões. Alguns protestaram, mas fizemos de maneira consciente. Também reduzimos drasticamente os cargos comissionados, como fez Marchezan. São medidas necessárias para colocar em ordem o orçamento da cidade e pensar no médio e longo prazo, como ele vem fazendo, ao meu ver, de forma correta.
Após a repercussão negativa da ação que apagou o mural de grafites na Avenida 23 de Maio, o senhor declarou que "avaliou mal" a questão.
Somos totalmente a favor dos grafites. Não somos a favor da pichação, que é crime e agressão. O grafite é arte e temos apoiado bastante.
Mas o senhor se arrependeu de passar tinta cinza sobre os painéis?
Não. Poderíamos ter feito a comunicação de forma mais adequada, mas isso acabou nos ajudando. Criamos uma comissão de grafiteiros, que, com a Secretaria da Cultura, criou o Museu de Arte de Rua (MAR), e inauguramos oito museus com grafites. Hoje, São Paulo é a cidade com a maior extensão de espaço grafitado do mundo. Tem mais do que anteriormente, mas de forma ordenada, educada e correta. Os grafiteiros definem os locais e quem fará o trabalho, e a prefeitura, com patrocínio privado, remunera e fornece tintas. Temos uma relação harmoniosa. Reconheço no grafite uma arte importante, uma expressão cultural, diferente da pichação, que é agressão e agride inclusive muitos grafiteiros e muralistas. Aos pichadores, as penas _ prisão e multa de R$ 5 mil e R$ 10 mil. Aos grafiteiros e muralistas, todo apoio.
Entidades de imprensa manifestaram-se repudiando as suas tentativas de desqualificar jornalistas e veículos. Seria uma estratégia de atacar o trabalho da imprensa em vez de responder à sociedade?
Sou jornalista, portanto respeito o trabalho de jornalistas. Mas não respeito mentira. Quando há assaques e colocações falsas sistematizadas, me insurjo contra isso. Não vou aceitar que falem inverdades e continuem a falar repetidas vezes. Não é o bom jornalismo. O bom jornalismo é o trabalho que investiga, indaga. Não há qualquer problema em indagar questões e, se não forem verdade, coloco com toda clareza. Mas se, em vez disso, depois da resposta, volta-se com a mesma pergunta... Devolvo novamente a informação. Na terceira vez, muda. Passa a ser campanha, não indagação. Não mudo o tom de voz, não xingo, nunca agredi, nem verbalmente, sequer subi o tom de voz. Agora, não queiram transformar o jornalismo em instrumento partidarizado-ideológico. Não contra mim, porque reajo com aquilo que sei fazer _ a palavra. Foi o que fiz em dois casos em São Paulo, onde dois veículos de comunicação insistiram em teses que não era verdadeiras. Não me calo. Em nome da justiça, reagirei, seja perante jornalistas, petistas, esquerdistas, ou vigaristas. Eu respondo.
O senhor considera que a imprensa está lhe perseguindo?
Não. Ao contrário. A imprensa tem dado um tratamento muito correto à prefeitura de São Paulo e ao prefeito. Foram dois casos específicos, de um jornalista de um importante jornal que cometeu um erro e de uma rádio que, infelizmente, insiste em uma visão ideológica. Não há perseguição. Foram dois fatos muito localizados.