Um ano após os senadores confirmarem o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, o ex-ministro José Eduardo Cardozo, responsável pela defesa da petista, afirma que o "jogo estava jogado". Em entrevista a ZH nesta quinta-feira (31), data em que, em 2016, o país vivia o desfecho do processo de impeachment, Cardozo também defendeu que há argumentos para a destituição de Michel Temer, a quem acusa de não ter "nenhum pudor" perante a opinião pública.
– Há certos momentos em que o rei fica nu e não se incomoda de ficar nu. É o que ocorre com o governo Temer.
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Confira os principais trechos da entrevista:
O afastamento definitivo de Dilma completa um ano nesta quinta-feira. Neste período, o que mudou no cenário político nacional?
Piorou muito. Na defesa de Dilma, eu falava que nenhum governo que nascesse com o rompimento constitucional retiraria o Brasil da crise. Ao contrário, agravaria. Infelizmente, essa análise se mostrou correta. Vivíamos uma crise econômica, agravada pela clara conspiração de setores comandados por (Eduardo) Cunha, que queriam afastar Dilma do poder. Impediam a aprovação de projetos, vendiam para o mercado a ideia de ingovernabilidade e investiam no "quanto pior, melhor". Esse quadro se agravou com um governo que não reverteu nada.
Neste período, direitos dos trabalhadores foram retirados, ocorreram situações inaceitáveis em relação aos direitos dos povos indígenas e ao meio ambiente, além de ser um governo diretamente atingido por denúncias de corrupção. Esse é um aspecto paradoxal. Dilma nunca foi acusada de corrupção e acabou afastada por uma questão de gestão orçamentária, que métodos governos haviam adotado, mas o Tribunal de Contas da União resolveu mudar a orientação e dizer que era ilegal. O Congresso que teve maioria para afastar Dilma, hoje também tem maioria para impedir que Temer seja processado com denúncias claras. Isso confirma que houve um golpe parlamentar.
O governo Temer é frágil e desacreditado, direcionado para setores do mercado e o parlamento. Não há outra preocupação senão chegar ao fim 2018. Tivemos com o impeachment de Dilma um terremoto político. A partir daí, as instituições brasileiras não pararam mais em pé.
Passado um ano, o senhor avalia que houve uma estratégica equivocada na tentativa de barrar o impeachment de Dilma?
Não. Tudo o que poderíamos fazer, no limite das nossas possibilidades, fizemos. Mas o jogo estava jogado, e as cartas estavam dadas. Lembro de deputados e senadores me dizendo: "Para de requerer as coisas, todo mundo vai votar pelo impeachment". Não foi um julgamento sério. Aquele dia de terror na Câmara mostra a dimensão do julgamento de Dilma, com ares circenses, sem o pudor de mostrar que o alvo era meramente político, sem fundamento jurídico.
Por que a denúncia contra Dilma transitou rapidamente?
Porque tinham maioria. Marcavam sessões de 12 horas por dia porque tinham a presidência da comissão, a relatoria e a maioria na comissão e no plenário. Fizemos tudo para exercer um direito de defesa legítimo. Em condições normais, o processo se alongaria, mas, quando um juiz parcial quer que o processo ande e não teme o arbítrio, coisas desse tipo acontecem. Foi a toque de caixa.
Por que os pedidos de impeachment de Temer não avançam na Câmara?
Porque o presidente da Câmara (Rodrigo Maia) é aliado de Temer. Há base para abrir o processo de impeachment. Temer não poderia ser processado por fatos anteriores ao mandato, mas conseguiu uma proeza. Em um ano e meio, praticou vários fatos que qualificam impeachment. Nunca imaginei que uma pessoa, em tão pouco tempo, conseguiria ser tão criativa na arte de produzir fatos motivadores de impeachment como Temer. Há uma denúncia criminal e provas materiais, como áudios. Maia age de forma oposta a Cunha. Ambos são parciais. Cunha força a barra para abrir, Maia força a barra para não abrir.
Seria o governo Temer mais habilidoso para negociar com o Congresso?
Acho que o governo não tem nenhum pudor e perdeu o desejo de não mostrar para a opinião pública como age. Há certos momentos em que o rei fica nu e não se incomoda de ficar nu. É o que ocorre com o governo Temer. Antes, diziam que não era verdade e faziam na calada da noite. Hoje, fazem abertamente, com o maior despudor. O governo Dilma tinha limites éticos e de relações republicanas muito claros ditados pela presidente. Ela jamais concordaria com certas situações que hoje estão escandalosamente ocorrendo.
Dilma deve ser candidata nas próximas eleições?
É uma decisão pessoal. Acho que ela ainda pensa sobre isso e tem o direito de disputar ao cargo que quiser. Se assim desejar, tem uma boa possibilidade de eleição.
O PT precisa trabalhar com um nome alternativo a Lula para concorrer à eleição presidencial em 2018 diante do risco do presidente ter a condenação confirmada em segunda instância?
Não. Há certas questões que você deve ter como princípio na atuação política. Os direitos de Lula ser candidato e do povo escolher se ele deve ou não ser presidente são inalienáveis. Não temos direito de abrir mão, nem de pensar em alternativa. É uma bandeira importante, democrática e reforçada pela fragilidade da sentença de (Sergio) Moro no famoso caso do triplex. Qualquer pessoa que leia a sentença, mesmo sem formação jurídica, percebe que se partiu do pressuposto que bastam convicções e não são necessárias provas. É uma sentença fragilíssima. Imaginar que uma decisão como essa possa afastar a possibilidade do povo escolher o presidente da República e de um candidato ser colocado nas eleições é um verdadeiro absurdo democrático.