A Igreja Católica se manifestou, nesta segunda-feira (28), por meio de nota de repúdio, sobre a decisão do governo brasileiro de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca). Entre os argumentos, a instituição diz que a medida "cede aos grandes empresários da mineração" e não incluiu "nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT)". As informações são da BBC Brasil.
O documento – assinado por uma coalizão formada por cerca de 200 bispos católicos de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela e Suriname – afirma que o governo cedeu "às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas" e conclama deputados e senadores a se colocarem contra a decisão presidencial.
"Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais. Não nos resignemos à degradação humana e ambiental."
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"Ao contrário do que afirma o governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades de conservação e muito menos das terras indígenas – que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível", avalia a coalizão de bispos latino-americanos.
A nota de repúdio é assinada pelos cardeais dom Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e da Comissão Episcopal para a Amazônia, e dom Erwin Kräutler, presidente da Repam Brasil e secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia. Ambos são membros de alas progressistas da Igreja Católica no Brasil e atuam em defesa de minorias em pastorais de pequenas cidades em toda a Amazônia.
– Temer mais uma vez está violando a própria Constituição Federal, que no seu artigo 231 exige consulta prévia aos povos indígenas quando se trata de qualquer empreendimento em seus territórios. Por isso a assinatura do presidente é inconstitucional – disse dom Erwin. – Vivo há 52 anos na Amazônia e conheço bem essa região. Mais uma vez a Amazônia é degradada a uma mera província mineral que se explora sem mínimos escrúpulos. O que sobra no final é uma paisagem lunática de crateras. Os povos que aqui vivem não contam. São ameaçados inclusive em sua sobrevivência.
Também participaram do manifesto entidades que fundaram a Repam – formada por bispos de 99 dioceses distribuídas nos nove países que têm áreas de floresta amazônica em seus territórios –, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), formado por líderes católicos de 22 países latino-americanos.
A decisão do presidente Michel Temer, divulgada na quarta-feira (23), de colocar fim a uma reserva na Floresta Amazônica entre o Pará e o Amapá repercutiu mundialmente e vem causando sucessão de debates e críticas. O fim da Renca faz parte do Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, que pretende trazer mais investimentos ao setor e criou também a Agência Nacional de Mineração. Com a mudança, a área, de cerca de 4,6 milhões de hectares – o equivalente à área do Espírito Santo e pouco maior do que a área da Suíça – poderá ser explorada por mineradoras privadas.
Segundo a BBC Brasil, bispos da CNBB e da Repam estão conversando com membros do Ministério Público sobre caminhos legais de cancelamento do decreto. Uma possível ação conjunta entre católicos, promotores e procuradores deve ser divulgada ainda esta semana.
Confira a íntegra da nota divulgado pela Repam:
Nota de repúdio ao Decreto Presidencial que extingue a RENCA
Ouvimos o grito da terra e o grito dos pobres
A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), ligada ao Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), e no Brasil organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com a Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, por meio de sua Presidência, unida à Igreja Católica da Pan-Amazônia e à sociedade brasileira, em especial aos povos das Terras Indígenas Waãpi e Rio Paru D'Este, vem a público repudiar o anúncio antidemocrático do Decreto Presidencial, altamente danoso, que extingue a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (RENCA) na última quarta-feira (23).
A RENCA é uma área de reserva, na Amazônia, com 46.450 km2 – tamanho do território da Dinamarca. A região engloba nove áreas protegidas, sendo três delas de proteção integral: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá; a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d'Este. A abertura da área para a exploração mineral de cobre, ouro, diamante, ferro, nióbio, entre outros, aumentará o desmatamento, a perda irreparável da biodiversidade e os impactos negativos contra os povos de toda a região.
O Decreto de extinção da RENCA vilipendia a democracia brasileira, pois com o objetivo de atrair novos investimentos ao país o Governo brasileiro consultou apenas empresas interessadas em explorar a região. Nenhuma consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Governo cede aos grandes empresários da mineração que solicitam há anos sua extinção e às pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas que financiam suas campanhas.
Ao contrário do que afirma o Governo em nota, ao abrir a região para o setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das unidades de conservação e muito menos das terras indígenas – que serão diretamente atingidas de forma violenta e irreversível. Basta observar o rastro de destruição que as mineradoras brasileiras e estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas décadas: desmatamento, poluição, comprometimento dos recursos hídricos pelo alto consumo de água para a mineração e sua contaminação com substâncias químicas, aumento de violência, droga e prostituição, acirramento dos conflitos pela terra, agressão descontrolada às culturas e modos de vida das comunidades indígenas e tradicionais, com grandes isenções de impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região.
Riscos ambientais e sociais incalculáveis ameaçam o "pulmão do Planeta repleto de biodiversidade" que é a Amazônia, como nos lembra Papa Francisco na carta encíclica Laudato Si, alertando que "há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais" (LS 38). A política não deve submeter-se à economia e aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia, pois a prioridade deverá ser sempre a vida, a dignidade da pessoa e o cuidado com a Casa Comum, a Mãe Terra. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 9 de julho de 2015, o papa Francisco não hesitou em proclamar: "digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a mãe terra".
Na LS, o papa Francisco alerta ainda que "o drama de uma política focalizada nos resultados imediatos (...) torna necessário produzir crescimento a curto prazo" (LS 178).
Ao contrário, para ele "no debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato" (LS 183).
A extinção da Renca representa uma ameaça política para o Brasil inteiro, impondo mais pressão sobre as terras indígenas e Unidades de Conservação, e abrindo espaço para que outras pautas sejam flexibilizadas, como a autorização para exploração mineral em terras indígenas, proibida pelo atual Código Mineral.
Por todos esses motivos, nos unimos às Dioceses locais do Amapá e de Santarém, aos ambientalistas e à parcela da sociedade que, por meio de manifestações nas redes sociais e de abaixo-assinados, pedem a imediata sustação do Decreto Presidencial que extingue a Reserva.
Convocamos as senhoras e os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais.
Não nos resignemos à degradação humana e ambiental! Unamos esforços em favor da vida dos povos que vivem no bioma amazônico. O futuro das gerações vindouras está em nossas mãos!
Que Deus nos anime no mais fundo de nossos corações e nos ilumine e confirme na busca da tão sonhada Terra Sem Males.
Dom Cláudio Cardeal Hummes
Presidente da REPAM e da Comissão Episcopal para a Amazônia
Dom Erwin Kräutler
Presidente da REPAM-Brasil e Secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia