Deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos aliados a Michel Temer articulam incluir no texto final da reforma política o "distritão", um sistema que, segundo a oposição, vai assegurar a reeleição dos próprios parlamentares e, consequentemente, manter o foro privilegiado de implicados na Lava-Jato. O novo modelo eleitoral traz algumas diferenças em relação ao atual – entre elas, assegurar a vitória dos candidatos mais votados, o que nem sempre ocorre hoje.
A ideia dos parlamentares é apresentar a proposta do "distritão" em agosto, durante as discussões, no plenário da Câmara, do texto do relator da reforma, Vicente Cândido (PT-SP).
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Até antes da articulação dos aliados do governo, o texto de Cândido previa sistema de votação por lista fechada para vereadores em cidades com menos de 200 mil eleitores e distrital misto a partir de 2021 nas eleições legislativas.
ZH explica as diferenças do "distritão" em relação ao sistema atual para ajudar a entender a discussão:
Como é hoje?
As eleições para o Legislativo hoje são proporcionais com lista aberta. Não basta receber o maior número de votos para ser empossado – é preciso, também, contar com os votos que o partido ou a coligação recebe.
Os votos no partido contribuem para o "quociente eleitoral", um cálculo que determina o número de vagas destinadas a cada legenda e quantos votos é necessário que cada candidato receba para ser eleito. O sistema causa algumas distorções: às vezes, os candidatos mais votados não são eleitos e os com votações menos expressivas, são.
Isso explica o que ocorreu com Luciana Genro (PSOL), que já chegou a receber 129,5 mil votos para deputada federal mas não conseguiu uma vaga na Câmara dos Deputados. Ou o fenômeno dos puxadores de votos, como Tiririca (PR-SP), que em 2014 recebeu mais de 1,4 milhões de votos e garantiu três vagas a correligionários pouco conhecidos.
Como funciona o "distritão"?
No modelo, Estados e municípios formam distritos únicos e são eleitos apenas os políticos que recebem, de fato, o maior número de votos. É o fim do quociente eleitoral e de casos como o de Tiririca e o de Luciana Genro. A disputa fica mais individualizada, já que só vence quem de fato recebeu o maior número de votos.
O ponto foi elogiado pelo presidente da comissão especial da reforma política, Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que afirmou à Folha de S.Paulo que o modelo é o que a sociedade exige.
– O "distritão" vai ao encontro da opinião pública, que diz querer saber em quem está votando de forma mais direta. Com essa crise onde todos os partidos terminaram com a imagem chamuscada, parlamentares começaram a ter noção que o voto em lista poderia prejudicar a reeleição deles. Eles veem mais chance na disputa com seu próprio nome – declarou o deputado, irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, atualmente em prisão domiciliar.
Os defensores do "distritão" também afirmam que o sistema é fácil de ser compreendido pela população e que as legendas irão lançar menos candidatos, mas com maior chance de serem eleitos. Isso diminuiria os gastos na corrida e o número de partidos, além de, em tese, liberar mais tempo de televisão a cada candidato para expor sua plataforma de campanha.
No entanto, críticos alegam que o sistema dificulta a eleição de novos parlamentares ou representantes das minorias. O argumento é que quem está no poder já é conhecido por parte da população, recebe exposição midiática e tem acesso à máquina pública para propor obras e políticas que agradem a seu reduto eleitoral. Além disso, partidos ficariam mais enfraquecidos, na busca de candidatos com perfil de "puxadores de votos", com maior poder de mobilizar a população.
– Esse sistema não existe em nenhum lugar do mundo. Seria uma invenção brasileira. Isso pode parecer bom para o eleitor, mas esconde uma grande tramoia. O número de candidatos vai cair violentamente, só vão ser candidatos os que já são deputados, e isso vai diminuir a renovação nesta Casa – criticou o líder do PT na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini, no fim do mês passado.
De fato, o "distritão" está em vigor apenas no Afeganistão, na Jordânia e em alguns arquipélagos. O Japão chegou a incorporá-lo por alguns anos, mas o abandonou nos anos 1990.
Críticos também dizem que o "distritão", em vez de baratear as campanhas, tornaria os gastos maiores, uma vez que políticos concorreriam entre si, na mesma sigla. Afirmam, ainda, que a medida desperdiçaria votos, visto que, apesar de assegurar a posse dos mais votados, também exclui da disputa todos os outros candidatos que não foram eleitos mas receberam votação expressiva.
O responsável por apresentar a emenda do "distritão", deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), nega que a proposta tenha o objetivo de garantir a renovação dos mandatos.
– Isso quem vai decidir é o povo. O "distritão" garante a representação das minorias.
Voto distrital é o mesmo que "distritão"?
Não. O voto distrital puro, como o do Reino Unido ou dos Estados Unidos, divide o país em distritos e cada um elege um representante. No "distritão", cada Estado ou município é um grande distrito e pode eleger mais de um representante.
Há outras propostas em análise?
Sim. No voto distrital misto, o eleitor vota duas vezes. Um voto vai para um candidato de sua região e o outro para um candidato da lista preordenada do partido. São eleitos os candidatos mais votados no distrito e os mais votados dentro de cada partido ou coligação.
Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), negociam emplacar o voto distrital misto até setembro deste ano para o sistema entrar em vigor nas eleições de 2021.
Outra opção é o sistema proporcional de lista fechada, no qual o eleitor não vota em candidatos, mas na legenda, que irá apresentar à população a lista de políticos a serem eleitos. A ideia, aqui, é que o partido representa uma ideologia – portanto, ao votar em um candidato, você está votando nos ideais que a sigla defende.
O PT defendia o sistema até o fim do mês passado, quando desistiu da ideia por falta de apoio. Na ocasião, o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, defendeu o atual sistema.
– Queremos insistir no sistema proporcional, que é o de lista aberta que temos hoje, no qual o eleitor, além de escolher o partido, escolhe o candidato – declarou o líder do PT na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini.