Quando milhares de pessoas foram às ruas, em 2013, as delações premiadas eram desconhecidas da maioria dos brasileiros. Quatro anos depois, graças a leis aprovadas no calor dos protestos, esse e outros instrumentos jurídicos ganharam visibilidade e acabaram dando lastro à maior ofensiva da história do país contra malfeitos.
À época, na tentativa de acalmar os ânimos, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), decidiu levar ao plenário projetos com apelo popular que já tramitavam na Casa. Entre eles, estavam os textos da Lei Anticorrupção e da Lei do Crime Organizado.
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A primeira detalhou os acordos de leniência, espécie de delação premiada envolvendo empresas. A segunda, além de definir o conceito de organização criminosa, reuniu e aprofundou as "técnicas especiais de investigação", incluindo as colaborações e as ações controladas.
Passados quatro anos, procuradores, delegados e professores de Direito são unânimes ao afirmar que as mudanças inauguraram nova fase no combate a corruptos e corruptores no Brasil.
– Se o povo não tivesse pressionado, talvez a aprovação dessas leis tivesse demorado, e isso seria prejudicial ao país. Naquele momento de efervescência, a classe política percebeu que havia uma insatisfação muito grande e foi sensível – diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti.
O que muitos não esperavam é que o novo arcabouço legal acabaria levando à cadeia grandes empresários e implicaria políticos de diversos partidos. O mais recente desfecho foi a denúncia contra o presidente da República, Michel Temer.
O efeito das delações não tardaria a levantar questionamentos. Pelo uso em larga escala e pelas dúvidas em torno da qualidade das provas, o método se tornaria alvo de controvérsia. Professor de Processo Penal na PUC-SP, Fernando Castelo Branco lembra que os instrumentos já eram previstos em lei, mas havia incertezas sobre a aplicação. Com a nova legislação, diz ele, passou-se de um extremo a outro:
– Foi como a descoberta de um novo remédio, que parece ser a salvaguarda de todos os males. A questão, agora, é ter atenção à dosagem e a eventuais excessos. Ainda estamos vivendo um momento experimental.
A cientista política Rita de Cássia Biason também tem ressalvas aos avanços decorrentes da onda de indignação de 2013. Para ela, a sociedade perde uma “oportunidade preciosa” para seguir pressionando por mudanças:
– O Brasil ainda não entendeu que não basta punir corruptos. É preciso exigir melhorias na prevenção e no controle. Sem isso, os desvios vão continuar.
As leis contra corruptos e corruptores
Lei Anticorrupção
– A Lei nº 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, foi aprovada no Senado em julho de 2013 e sancionada um mês depois pela presidente Dilma Rousseff. Entrou em vigor em 2014 e foi regulamentada em 2015.
– A partir dela, passou a ser possível responsabilizar, no âmbito civil e administrativo, empresas que praticam atos lesivos à administração pública.
– O valor das multas pode chegar a até 20% do faturamento bruto anual da empresa ou a R$ 60 milhões, quando não for possível calcular o faturamento bruto. A lei estabelece regras para acordos de leniência, espécie de delação premiada para empresas.
Lei das organizações criminosas
– A Lei nº 12.850, conhecida como nova Lei do Crime Organizado, recebeu a chancela do Senado em julho de 2013. Foi sancionada por Dilma Rousseff em agosto do mesmo ano.
– A norma passou a definir organização criminosa como a associação de quatro ou mais pessoas para a prática de infrações penais e determinou pena de reclusão de três a oito anos, além de multa.
– Também detalhou as “técnicas especiais de investigação”, que se tornaram famosas na Lava-Jato, como a colaboração premiada, as ações controladas e o uso de tecnologia nas investigações.