Governo e oposição estão diante de um impasse. A Câmara retoma os trabalhos tendo sobre a mesa um inédito pedido de ação penal contra o presidente da República, e nenhum dos lados têm deputados suficientes para abrir a votação. Prevista para começar às 9h de quarta-feira, a sessão será uma guerra de nervos, com os antagonistas se revezando em discursos na tribuna enquanto aguardam um movimento decisivo que permita o alcance do quórum.
– Vai ser um jogo de xadrez. Cada um observando o que o outro está fazendo – resume o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
O Planalto sabe que consegue barrar a denúncia da Procuradoria-Geral da República, mas seus defensores estão com medo de meter a cara diante dos microfones para sustentar um governo aprovado por apenas 5% da população. Já a oposição tenta fazer da possível derrota uma demonstração de supremacia moral ante um governo que considera ilegítimo.
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Temer sonha com o apoio de 300 deputados, número cabalístico que exibiria vigor político e capacidade de retomar a agenda de reformas. Para tanto, passou os últimos dias arregimentando forças. Durante as duas semanas de recesso, manteve 42 agendas oficiais com deputados. Em todos os encontros, jurou inocência, disse estar em defesa da própria honra e se ofereceu para ajudar os interlocutores.
Nas conversas, entram em pauta liberação de emendas, promessas de cargos e de verbas para obras nas bases eleitorais dos parlamentares e até para o Carnaval do Rio. No sábado, ofereceu jantar ao senador Aécio Neves (PSDB), que tenta conter uma debandada entre os tucanos. No domingo, viajou ao Rio para acompanhar o auxílio das tropas federais no combate à violência. O presidente estava acompanhado dos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, da Justiça, Torquato Jardim, da Defesa, Raul Jugmann, e do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco. À noite, faria nova reunião com os principais articuladores no Palácio do Jaburu.
Com Brasília vazia por conta do recesso, muitos deputados indecisos aproveitaram para consultar os eleitores. Jerônimo Göergen (PP-RS) enviou cerca de 2,5 mil mensagens, mas ainda não firmou posição. Segundo ele, prefeitos e empresários têm se manifestado contra a denúncia, já vereadores e eleitores são a favor. Ele irá esperar manifestação do partido para definir o voto.
– Pelo que tenho visto, o aumento dos combustíveis tirou apoio popular, mas não mudou votos entre os deputados. O grupo pró-presidente se consolidou. Creio que essa primeira denúncia não passa – avalia.
Para garantir a fidelidade dos indecisos, os operadores do Planalto passaram a última semana em Brasília. Alguns ministros anteciparam o retorno das férias, e a Casa Civil chegou a expedir comunicado solicitando que todos evitem deixar a cidade até 10 de agosto. Os 12 integrantes do primeiro escalão que detêm mandato de deputado irão retornar à Câmara para participar da sessão.
– Vamos registrar presença e liquidar essa denúncia já na quarta-feira. A oposição não pode fugir de uma briga que ela mesma marcou – provoca o vice-líder do PMDB, Carlos Marun (MS).
Bem menos mobilizados do que a base governista, os adversários do presidente desembarcam apenas hoje em Brasília. À noite, jantar na casa do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) irá traçar uma estratégia de ação. O eixo central será permanecer na Câmara, mas sem marcar presença, deixando ao Planalto a incumbência de formar quórum para a votação. Ciente de que não terá como derrotar o governo no voto, a oposição quer evitar que os deputados pró-Temer se ausentem ou se abstenham.
– Vamos ver quantos deputados eles colocam em plenário. Se tiverem algo perto de 280, 300, pode ser que a gente registre presença e dê quórum. Aí, eles terão de se expor no microfone, justificando porque estão a favor de um governo impopular e que está comprando deputados com cargos e emendas – afirma Delgado.
Principal partido de oposição, o PT está dividido. Parte da bancada quer adiar a votação. Outra quer votar mesmo antevendo a derrota. O objetivo seria deixar para o governo o desgaste de barrar um pedido de ação penal contra o presidente. Nos dois casos, a sigla espera que a segunda denúncia contra Temer, prestes a ser apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, traga alguma novidade que fragilize ainda mais o Planalto.
– Uma ala considerável do PT quer deixar Temer sangrando até 2018. Acredita que assim é mais fácil voltar ao poder com a candidatura do Lula – conta Delgado.
O RITO
- A sessão extraordinária está marcada para as 9h de quarta-feira.
- Para que tenha início, é necessária a presença de 51 deputados – um décimo da composição da casa.
- Lida a ordem do dia, o relator Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) fala por 25 minutos.
- Em seguida, os advogados de defesa de Temer falam por mais 25 minutos.
- Inciam-se os discursos dos deputados, começando por dois contrários ao parecer do relator, e dois favoráveis.
- Após os quatro pronunciamentos, pode se apresentar requerimento para que a discussão seja encerrada.
- Esse requerimento só pode ser votado com quórum de 257 deputados.
- Mesmo se o requerimento for aprovado, a votação do parecer só pode ter início com presença mínima de 342 deputados.
- Cada sessão extraordinária tem duração máxima de quatro horas, podendo ser prorrogada por mais uma hora.
- Caso o quórum para votação da denúncia contra o presidente não seja alcançado no tempo de uma sessão, ela é encerrada e outra pode ser aberta na sequência.
- Aprovada a autorização de abertura do processo contra Temer, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se torna Temer réu por corrupção passiva.
- Caso a Câmara barre a autorização, a denúncia fica suspensa até o final do mandato de Temer, em 31 de dezembro de 2018.