Na semana anterior ao julgamento que pode selar o destino de Michel Temer, o ministro Gilmar Mendes recebeu em seu gabinete três dos principais esteios do presidente da República: o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE). Oficialmente, discutiram "reforma política". À frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no caso de maior repercussão dos 85 anos da Corte, o magistrado, famoso pela língua ferina e as amizades tucanas, mantém a rotina sem cortar o contato com próceres do governo. Aos amigos, garante separar o político do jurídico.
Hoje, Gilmar Ferreira Mendes, presidente do TSE e titular do Supremo Tribunal Federal (STF), abrirá a sessão de retomada da análise da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer. Nos bastidores, há apostas no desfecho favorável ao Planalto.
– Gilmar vem há semanas dizendo para políticos e juízes que a crise não é problema do TSE – comenta um interlocutor do ministro.
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Aos 61 anos, o magistrado vive momento de grande exposição, comparável ao biênio 2008-2010, quando presidiu o STF. Sem medo de contrariar a opinião pública, vide críticas à Lava-Jato, arranca suspiros de políticos, inclusive na oposição. Após votar para soltar José Dirceu, preso desde agosto de 2015, foi elogiado, na tribuna, pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ):
– O voto do ministro Gilmar é lapidar.
De advogado do governo a julgador na Corte suprema
Descendente de um clã tradicional de Mato Grosso, com políticos, intelectuais, fazendeiros e magistrados, nasceu em Diamantino. O pai e o irmão foram prefeitos do município de 20 mil habitantes, a 200 quilômetros de Cuiabá. Reconhecido pela formação, Gilmar estudou em colégios de jesuítas até desembarcar na Universidade de Brasília (UnB), onde concluiu o curso de Direito (1978) e o mestrado (1987). Aprovado em concursos para juiz federal, assessor legislativo do Senado e procurador da República, fez mestrado e doutorado na universidade alemã de Münster (1990). O currículo abriu portas nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Advogado-geral da União de FHC (2000-2002), acabou indicado ao Supremo, o que suscitou forte contestação.
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, o jurista Dalmo Dallari classificou como "inadequada" a escolha de um subordinado do presidente para a Corte que julga atos do Executivo. "Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional", escreveu na época, antes da sabatina que chancelou a indicação.
Afeito a embates acirrados dentro e fora do tribunal
Em 15 anos de STF, Gilmar é visto como liberal na economia e progressista em questões de impacto na sociedade – votou a favor da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio e da liberação do aborto de feto anencéfalo. Tem fama de boquirroto, indômito e sarcástico perante os colegas e de jurista brilhante entre os amigos, como Dias Toffoli. No plenário, gosta do confronto. O entrevero mais famoso foi com Joaquim Barbosa, em 2009.
– Vossa excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso – afirmou o hoje ministro aposentado.
Na análise de prisões, Gilmar soltou o banqueiro Daniel Dantas, o médico Roger Abdelmassih e, em abril, Eike Batista. A decisão esquentou a contenda com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que contestou a "isenção" do magistrado, já que sua mulher, Guiomar, é sócia do escritório Sérgio Bermudes, que defende o empresário em outras ações. Na resposta, o ministro citou provérbio português: "Ninguém se livra de pedrada de doido nem de coice de burro".
Esse estilo ganhou o Twitter. Em seu próprio iPhone, atualiza a conta, que tem 13,9 mil seguidores. Ao afirmar que o Brasil se torna "uma grande organização Tabajara", foi rebatido pelo humorista Hélio de La Peña, que protestou "contra comparações chulas e fantasiosas". Gilmar respondeu: "Me desculpem as Organizações Tabajara, não queria ofender".
O humor e os jogos do Santos ajudam a lidar com a rotina marcada por julgamentos no TSE e no STF, palestras, reuniões e poucas horas de sono. Acostumado a oferecer jantares a políticos e juristas, sempre ao lado de Guiomar, dorme tarde e desperta por volta das 6h. Há um ano em dieta, perdeu 12 quilos.
Crítico da "beatificação" da Lava-Jato, Gilmar acusou a Procuradoria-Geral da República de cometer crime ao vazar parte da delação da Odebrecht e questionou interesse político do procurador, que, sem citar o desafeto, classificou o ataque de "disenteria verbal".
– Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder – disse Janot.
Amizade com presidente encarada com naturalidade
Gilmar não se constrangeu. Manteve encontros e telefonemas com governistas. Tanto que apareceu em grampo do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) – denunciado por corrupção passiva e obstrução de Justiça ao STF –, que lhe pediu ajuda para convencer o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) em uma votação. No ano anterior, o ministro só autorizou apurações contra Aécio após insistência de Janot.
E a proximidade com Temer também não incomoda. Amigo do presidente, tem nomeações em ministérios atribuídas a ele, apesar de não ter conseguido emplacar Ives Gandra Filho no STF. De tempos em tempos, Gilmar é flagrado em conversas fora da agenda no Palácio do Jaburu. Há anos, o peemedebista palestra em eventos da faculdade que tem o ministro como sócio. Aliás, o presidente foi convidado para seminário no dia 20 de junho. Se depender da programação do evento, Temer sobrevive ao julgamento.