Diretor de Relações Institucionais da J&F, controladora da JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, e um dos principais delatores do grupo, o executivo Ricardo Saud não recolheu um único centavo de Imposto de Renda (IR) em 2016. Ele declarou à Receita Federal ter recebido um salário mínimo de remuneração mensal no ano passado: R$ 872.
Saud, homem de confiança de um dos donos da JBS, Joesley Batista, é quem aparece em vídeos da Polícia Federal entregando mala com R$ 500 mil ao ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e R$ 2 milhões a primo do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG).
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Ao assinar o acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República, o executivo entregou sua declaração de Imposto de Renda referente a 2016. O documento foi anexado ao inquérito que o presidente Michel Temer responde no Supremo Tribunal Federal (STF) e teve o sigilo levantado por determinação do ministro Edson Fachin.
Análise da declaração permite verificar que Saud relatou à Receita Federal ganhos tributáveis de R$ 10.468 no ano passado.
O valor é incompatível com o cargo que ocupava na JBS, cuja remuneração média no mercado varia R$ 50 mil a R$ 100 mil por mês. A título de comparação, o diretor jurídico da JBS e também delator Francisco de Assis e Silva declarou ter recebido R$ 1,2 milhão em rendimentos tributáveis da empresa em 2016. Por conta dessa renda, Assis e Silva pagou R$ 315 mil de IR retido na fonte.
Patrimônio avaliado em R$ 13,2 milhões
Outra contradição com a baixa remuneração declarada por Saud é o seu patrimônio, avaliado em R$ 13,2 milhões. O executivo diz possuir oito imóveis e nove veículos, incluindo dois Mercedes-Benz e uma BMW. Ele também é sócio de três empresas, tem saldo em contas correntes e fundos de investimentos no valor R$ 7,5 milhões e mais R$ 1,9 milhão em créditos a receber. Especialistas em tributação consultados por Zero Hora entendem que, com esse conjunto patrimonial, não é normal alguém não pagar IR.
Alguns dados informados por Saud à Receita Federal despertam curiosidade. Embora tenha dito em depoimento à Procuradoria- Geral da República que é diretor de Relações Institucionais da J&F desde 2011, a empresa não aparece na declaração como fonte pagadora de rendimentos tributáveis ao executivo. Os R$ 10.468 que ele diz ter ganho em 2016 foram pagos pela Goya Agropecuária Ltda,da qual é sócio.
A JBS só aparece na declaração em dois pagamentos considerados como não tributáveis ou isentos por Saud. Em um deles, o executivo diz ter recebido R$ 268 mil da J&F Investimentos, holding familiar dos irmãos Batista que controla a JBS. O dinheiro foi pago a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho. A J&F, contudo, não é citada na declaração como fonte pagadora.
A segunda referência ao grupo empresarial é em um pagamento a Saud de R$ 3,5 milhões, também da J&F e tratado por ele como rendimentos isentos e não tributáveis. O valor é qualificado na declaração como verba indenizatória em um contrato non-compete, firmado com empresas para evitar que empregados prestem serviços à concorrência, principalmente quando detêm dados estratégicos.
– Se ele rescindiu contrato de trabalho, é sinal de que trabalhou para a empresa. Portanto, (a J&F) deveria aparecer em algum momento como fonte dos salários do executivo – aponta um tributarista consultado por ZH.
CONTRAPONTO
Zero Hora tentou ouvir Ricardo Saud e a JBS sobre o assunto. A empresa enviou a nota abaixo:
"Ricardo Saud é diretor de relações institucionais da J&F. Todos os atos cometidos no passado foram comunicados à PGR e estão documentados nos autos da delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal. As informações, dados e provas encontram-se em poder da Justiça, órgão responsável pela avaliação e análise de tais documentos. Os executivos seguem à disposição e em colaboração com as autoridades."