Ao completar cinco anos em vigor, nesta terça-feira, a Lei de Acesso à Informação (LAI) firma-se como marco de mudanças no setor público, mas ainda está longe de aniquilar a cultura do sigilo no país, principalmente nos confins do Brasil. No Rio Grande do Sul, dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) indicam que seis em cada 10 prefeituras de municípios acima de 10 mil habitantes cumprem mais de 70% das exigências legais na internet. No caso dos legislativos municipais, são apenas quatro em cada 10.
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A evolução do nível de transparência nos sites desses órgãos passou a ser acompanhada pelo TCE em 2012 e foi ampliada a partir de 2013 (acesse o levantamento completo). O diagnóstico mais recente, com base em levantamento feito em 2016, foi concluído na semana passada e apontou avanços. Ao todo, 95% das gestões de cidades com população superior a 10 mil publicam valores de receitas e despesas na web, 84% divulgam histórico de contratos e 89% mantêm serviços virtuais de atendimento. Os percentuais têm aumentado ano a ano.
– O cenário melhorou muito desde que a lei entrou em vigor. É incomparável – diz a auditora pública externa Francine Carniel Trevisan, uma das responsáveis pelo estudo.
Outro ponto positivo, na avaliação do presidente do TCE, Marco Peixoto, é o fato de que, desde o último ano, as prefeituras e Câmaras de todos os 497 municípios do Estado contam com páginas na internet. Em 2013, isso era realidade em 63% dos legislativos.
– É um avanço considerável, especialmente se levarmos em conta a realidade dos pequenos municípios – afirma Peixoto.
Mas os bons resultados não significam que tudo vai bem. Paradoxalmente, apenas 13% dessas gestões disponibilizam dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras. Só 35,8% comunicam repasses ou transferências contábeis em seus endereços digitais. Entre as Câmaras, as taxas de atendimento mais baixas estão relacionadas à divulgação de informações sobre licitações, contratos e servidores. A publicação de nomes e salários, por exemplo, segue inexistente em 50% dos casos.
– Concordo que avançamos, mas ainda há muito por fazer. Vira e mexe tem alguém tentando dar um passo para trás. Infelizmente, a busca por transparência não é um padrão na nossa classe política, pelo contrário – pondera Marina Atoji, secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.
Quando entrou em vigência, em 16 de maio de 2012, a nova regra surgiu com a promessa de abrir arquivos nas três esferas da administração pública, em todos os poderes. Passou a ser direito de qualquer cidadão pedir informações sem a necessidade de se justificar e com prazo para a resposta. Repartições públicas foram obrigadas a criar estruturas próprias para atender as solicitações e a manter sites com conteúdo aberto, acessível e detalhado.
Pesquisadores como Gregory Michener, coordenador do Programa de Transparência Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, celebraram a nova lei. O texto foi comparado a normas editadas em países reconhecidos pela transparência, como Canadá, México e Chile.
Hoje, Michener avalia que a lei "pegou em certa medida" e dá nota 6,5 ao processo de implementação. Diz que Estados como o Rio Grande do Sul evoluíram, destaca o caso do Maranhão e lamenta o fato de que, no Rio, "nada aconteceu". Em muitos locais, pedidos ficam sem retorno, sistemas não funcionam ou são feitos para dificultar demandas.
– Os próximos líderes precisam ter compromisso com a lei para que a evolução continue. Não está tão mal, mas também não está andando como poderia. É preciso de lideranças fortes e de apoio da mídia – avalia o professor.
Para o consultor da ONG Transparência Internacional, Fabiano Angélico, o grande desafio é fazer com que a população em geral – e não apenas jornalistas, acadêmicos e funcionários públicos – conheçam e usem a lei. Quanto maior a busca por informações, maior a chance de consolidação.
– Em nenhum país se conseguiu avançar rapidamente em cinco anos, mas isso não pode servir de desculpa para não fazer nada ou para deixar tudo como está – conclui o especialista.
O que diz a lei
-É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, de forma objetiva, ágil e transparente.
-Todo cidadão, sem necessidade de justificativa, pode pedir dados a qualquer órgão público, que deve responder em 20 dias, prorrogáveis por mais 10.
-Os órgãos devem manter sites com dados atualizados, detalhados e de fácil acesso.
O cumprimento no RS
-O TCE avalia os sites de prefeituras e Câmaras do Estado. O diagnóstico com a análise dos dados levantados em 2016 foi concluído na semana passada.
-Nos municípios com mais de 10 mil habitantes (167), foram examinados 22 critérios de informações que a lei exige que estejam nos portais.
-Nas cidades menores (330), o TCE verificou apenas três critérios, porque a lei de acesso não exige a publicação na internet dos demais 19 itens.
-O TCE optou por não elaborar rankings, mas o desempenho de todos os municípios pode ser consultado no site tce.rs.gov.br.
O que vai melhor
Canal de comunicação com o cidadão: 98,2%
Informações organizacionais: 96%
Sistema de pedido de informações via internet: 89,2%
O que vai pior
Dados gerais para acompanhamento de programas, ações, projetos e obras: 13,3%
Registro de repasses ou transferências: 35,8%
Respostas a perguntas frequentes: 42,5%
A polêmica dos salários
O TCE avalia desde 2015 a divulgação das remunerações identificando o nome dos servidores. O percentual de prefeituras que publicam o dado aumentou, passando de 43,7%, em 2015, para 60,5%, no ano passado.
O que vai melhor
Canal de comunicação com o cidadão: 98,2%
Informações organizacionais: 96,4%
Registro de despesas: 84,7%
O que vai pior
Informações sobre licitações e seus editais e resultados: 45,1%
Informações sobre contratos: 50,6%
Dados sobre servidores: 59,7%
A polêmica dos salários
O percentual de Câmaras que divulgam nomes e remunerações de servidores aumentou, mas não chega a 50% dos Legislativos. Em 2015, eram 40,6%, e chegaram a 49,1% em 2016.
No Estado
Segundo a última edição da Escala Brasil Transparente, divulgada na quinta-feira passada pela Controladoria-Geral da União, o governo do Rio Grande do Sul ficou em primeiro lugar, junto de mais nove Estados, com nota 10. A avaliação foi feita entre junho e dezembro de 2016 e levou em conta 12 quesitos, divididos em regulamentação da lei, com peso de 25%, e existência e atuação do Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), 75% da nota.
Exemplo do que veio à tona: salários de servidores
A União puxou a frente, em 2012, com cidades como Porto Alegre. O governo do RS adotou a medida na gestão de José Ivo Sartori, em 2015, estendendo a decisão às empresas públicas e discriminando verbas indenizatórias, antes ocultas.
No país
O Índice Nacional de Transparência, do Ministério Público Federal (MPF), foi de 5,21 em 2016 (em escala de zero a 10). Foram avaliados os portais de 5,5 mil municípios, 26 Estados e o Distrito Federal. Em 2015, era 3,92. Segundo o MPF, em 26 dos 27 Estados houve evolução nas médias municipais. O órgão encaminhou mais de 3 mil recomendações sobre pontos a serem corrigidos nos sites e propôs mais de 1,9 mil ações civis públicas.
Exemplo do que veio à tona: Documentos da ditadura
Entre os documentos liberados, estão 300 mil microfichas do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) e milhares de documentos do extinto Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops), incluindo 275 mil fichas.
Orientações para gestores públicos
O TCE preparou uma cartilha com orientações para Câmaras e prefeituras sobre como agir para cumprir a lei.
Como acessar as informações
1 - Entre no site do órgão para o qual você pretende fazer o pedido e procure o link para o portal da transparência.
2 - Vejas as informações já disponibilizadas e, se não encontrar o que busca, procure o link do e-SIC (Serviço de Informações ao Cidadão).
3 - Clique para fazer o pedido. Em muitos casos, como no de Porto Alegre, será necessário, primeiro, fazer um cadastro no próprio site.
4 - Depois disso, preencha o formulário virtual e procure fazer o pedido de forma clara, direta e objetiva. O órgão terá 20 dias, prorrogáveis por mais 10, para responder.